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 O Cânone Literário

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MensagemAssunto: O Cânone Literário   O Cânone Literário Icon_minitimeQua Ago 15, 2012 12:32 pm

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Sobre o cânone literário

por VASCO GRAÇA MOURA
08 Agosto 2012

O Cânone Literário Vasco_graca_moura

Poucas ideias devem ter sido tão discutidas na teoria literária moderna como a de cânone. Posto em questão devido a ressentimentos de vária ordem, como sustenta Harold Bloom, ou por razões teóricas mais ou menos ligadas à Linguística ou às ideologias, o cânone aspira a englobar uma lista de autores e de obras consideradas modelos de perfeição, seja à escala nacional, seja à escala ocidental, seja à escala universal. A sua estabilização, sempre a entender em termos flexíveis e abertos a sucessivas incorporações, supõe a passagem do tempo, a filtragem pela consciência colectiva e a inserção em coordenadas civilizacionais, a existência e funcionamento de critérios de valor identitários e estéticos, uma tradição analítica de comentários e uma história cultural, e provavelmente uma tensão dinâmica com sucessivos contra-cânones.

Sem pretender entrar em discussões teóricas e sem negar que haja uma certa dose de flutuação necessária no próprio estabelecimento do cânone e dos seus contornos práticos, considerando o caso português (ou, se se preferir, o dos espaços em que se fala o português) as coisas podem resumidamente ser postas assim: deveria haver um conjunto de obras literárias escritas na nossa língua que todos teriam de conhecer.

No plano do ensino, isto parece de uma evidência elementar, mas tem andado mais ou menos esquecido. Ora, reduzida às suas linhas mais simples, esta é afinal a questão do cânone literário e da sua relevância para o currículo escolar, embora esse plano, por definição, acabe por ser transcendido, pois o cânone não é propriamente uma simples ferramenta para uso do ensino, mas antes um quadro de referências indispensáveis e um complexo de elementos literários respeitante ao sistema de valores e aos interesses culturais de uma dada sociedade: incorpora uma série de modelos cuja evidência paradigmática se recorta ao longo dos sucessivos tempos históricos e se impõe à mentalidade e à sensibilidade colectivas.

Na escola, a abordagem do cânone deve ser flexível e variada. Em Portugal, antigamente, havia para tal efeito excelentes instrumentos que iam dos cadernos literários da Seara Nova aos textos da editorial Comunicação e vários outros. Havia também selectas, crestomatias e antologias que apresentavam criteriosamente passagens mais ou menos extensas de obras que faziam parte do cânone. E havia, para quem estudava, a obrigação de saber dessas obras e mesmo de conhecer algumas delas na íntegra.

Dos cancioneiros medievais a Fernão Lopes, de Bernardim e Gil Vicente a Sá de Miranda e Camões, de Rodrigues Lobo e Francisco Manuel de Melo a Bernardes e Vieira, de Bocage, Garrett e Herculano a Camilo, Eça, Cesário, Antero e António Nobre, isto para dar só alguns exemplos flagrantes do século XIII ao século XIX, os alunos de Português tinham de contactar com toda uma série de autores e isso só lhes fazia bem. Visitavam lugares escolhidos da grande literatura escrita na sua língua e, a partir desses paradigmas, tinham de proceder a vários tipos de análise e de interpretação, enriqueciam o seu conhecimento do léxico e da gramática, aprendiam figuras de estilo, adquiriam uma certa compreensão história e contextualizada da obra de cada autor, aperfeiçoavam grandemente o conhecimento do português como língua materna e tornavam-se capazes de utilizá-lo melhor.

É por isso da maior importância que se retome o cânone literário e que este forneça uma base essencial para o desenvolvimento dos programas de português. Tanto o Ministério da Educação como o Plano Nacional de Leitura têm aqui uma tarefa de grande responsabilidade.

Nunca será demais insistir em que os estudantes, se tiverem um bom domínio da língua portuguesa, ficam preparados para ler tudo o mais: bulas de medicamentos, manuais de instruções, relatórios técnicos, notícias de jornais... Ao invés, se a sua preparação for circunscrita a este tipo de textos, nunca eles conseguirão ler capazmente um grande escritor. E se não forem capazes de ler capazmente um grande escritor, acabarão por não ser capazes de mais nada.

O processo de contacto com as obras dos grandes autores da nossa língua carece de ser urgentemente reabilitado nas escolas, com critério e exigência.
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Por decisão pessoal, o autor do texto não escreve segundo o novo

In DN

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MensagemAssunto: O tempo e o cânone   O Cânone Literário Icon_minitimeQua Ago 15, 2012 12:39 pm

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O tempo e o cânone

por VASCO GRAÇA MOURA
Hoje

O Cânone Literário Vasco_graca_moura

No meu artigo da semana passada, sobre o cânone literário, defendi a necessidade de estabelecimento de uma lista de obras de grandes autores que todos tivessem de conhecer. A série de escritores que referi estava longe de ser exaustiva. Limitava-se a dar alguns exemplos, entre os quais faltavam, para acrescentar apenas mais dois e dos mais importantes, Fernão Mendes Pinto e Júlio Dinis. E vários outros poderiam ter sido aditados. Houve todavia quem me perguntasse por que razão eu não tinha incluído nessa mesma série autores como Cardoso Pires ou Saramago.

A resposta é muito simples: preferi não incluir nenhum autor do século XX pela razão, também muito simples, de que o estabelecimento do cânone, mesmo com todas as flutuações a que também me referi, implica necessariamente a passagem do tempo.

Pessoalmente, acredito que virão a integrar o cânone literário nacional nomes como os de Pessanha, Sá-Carneiro ou Pessoa (e companhia heterónima), Aquilino, Raul Brandão ou Nemésio, Régio e Torga, Carlos de Oliveira e Mário Dionísio, Sophia, Sena ou O'Neill, Saramago, Vergílio Ferreira, Agustina, Lobo Antunes, Mário Cláudio ou Mário de Carvalho, David, Ruy Belo ou Herberto Helder. Repito que me limito a dar exemplos, alguns deles de autores vivos, mas haverá certamente quem me venha ainda perguntar, lido o presente artigo, por que razão não referi ainda fulano, beltrano ou sicrano..., sem falar numa série de brasileiros que, pelo menos a partir de Machado de Assis, deveriam ser de conhecimento obrigatório entre nós. E acrescento, retomando uma ideia sustentada há anos por Vítor Aguiar e Silva, que me parece que a literatura portuguesa do século XX, em especial a poesia, é bastante mais rica, variada e original, do que a dos séculos anteriores, ressalvadas as honrosíssimas excepções do costume

Ora a razão por que esses nomes não figuraram na minha primeira lista continua a ser a mesma. O cânone só se vai formando e sedimentando nos seus momentos essenciais na medida mais ou menos vagarosa em que o tempo passa, em que as obras se vão radicando na mentalidade colectiva como paradigmáticas e duradouramente geradoras de influências e epigonismos, e se vai constituindo e consolidando um processo de interpretação e apreciação crítica que torna irrefutável a sua natureza canónica, mesmo com as humanais falibilidades que podem ser consideradas.

Isto para dizer que, quanto a muitos dos nomes do século XX, ainda não podemos ter a certeza de que façam já, ou venham a fazer, parte do cânone. E por isso mesmo é que, nos programas escolares, deveriam ser privilegiados aqueles autores quanto aos quais não subsistem dúvidas, muito embora sem exclusões radicais de outros mais recentes. É tudo uma questão de conhecimento histórico-literário, de sensibilidade cultural, de bom senso e de bom gosto, de empenhamento na defesa e valorização da língua portuguesa.

"Bom gosto" é, de resto, uma expressão terrível e medusante para certa categoria de pedagogos. Est modus in rebus: ligada a uma noção de cânone, ela não é tão terrível assim nem faz pôr os cabelos em pé. Afinal trata-se de proporcionar o contacto plural com aquilo que gerações sucessivas marcaram implicitamente com essa notação em relação à criação literária de língua portuguesa, tornando-o ao menos parcialmente necessário no plano da vida escolar.

O tempo, sempre o tempo, imprevisível e inexorável, contribui para modelar a história da cultura e privilegiar valores e modelos que se vão formando nela e que, num ritmo diferente, também irão desaparecendo com as civilizações. Tempo devorador das coisas (edax rerum, como dizia o Ovídio das Metamorfoses), mas também salvador precário de algumas delas, a que nos vai permitindo conferir uma ilusão ou pretensão de imortalidade e que por essa via também nos sustenta e nos devora, uma vez que somos capazes de esperança e de melancolia.

Nessa medida, o tempo faz o cânone. No título de um dos seus livros, Marguerite Yourcenar falava no tempo, "esse grande escultor". Jorge Luís Borges, numa conferência que fez no Estoril, salvo erro em 1984, afirmou que o tempo é o autor de todas as epopeias. E lembro--me de ter ouvido Vergílio Ferreira dizer que um dos dramas do escritor é o de não saber se a sua obra lhe sobrevive.

In DN

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MensagemAssunto: A minha 'ária do catálogo'   O Cânone Literário Icon_minitimeQua Ago 29, 2012 11:19 am

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A minha 'ária do catálogo'

por VASCO GRAÇA MOURA
Hoje

O Cânone Literário Vasco_graca_moura

Em dois artigos que publiquei recentemente, aqui no DN, defendi que se devia assentar num cânone literário português e que esse cânone está praticamente estabilizado quanto à literatura produzida até finais do século XIX, não se podendo ainda afirmar que o mesmo aconteça quanto à literatura do século XX.

Defendi também que o ensino carece de uma lista de obras que todos devessem conhecer e que essa lista havia de ser integrada principalmente por obras que indiscutivelmente já pertencem ao cânone. Mas não defendi a exclusão radical de autores do século XX e nisso peço licença para corrigir a interpretação de Pedro Tadeu (DN, 21.8.2012). O que escrevi foi: "Nos programas escolares, deveriam ser privilegiados aqueles autores quanto aos quais não subsistem dúvidas, muito embora sem exclusões radicais de outros mais recentes. É tudo uma questão de conhecimento histórico-literário, de sensibilidade cultural, de bom senso e de bom gosto, de empenhamento na defesa e valorização da língua portuguesa."

No ensino, a atenção a dedicar a autores que já fazem indiscutivelmente parte do cânone deve ser muito superior à que for reservada aos restantes. Admito até que haja, no cânone a considerar para as escolas, uma parte fixa, a dos absolutamente indiscutíveis, e uma parte variável, mais ou menos flutuante e ao sabor dos critérios de quem ensina e seja capaz de inter-relacionar autores do nosso tempo com os do passado. Mas a avaliação dos conhecimentos em exames deveria ser feita sobre os autores considerados como canónicos.

Pedro Tadeu surpreende-se também com a lista dos 50 livros que toda a gente deve conhecer, que o suplemento Atual do Expresso publicou no dia 18. A lista mereceu idênticos reparos a Eduardo Pitta no seu blogue de referência Daliteratura e a Inês Pedrosa na sua coluna do Sol.

Não é só a ausência do Camões épico e do Camões lírico que surpreende. Todavia, em vez de criticar as opções alheias, prefiro dizer o que é que eu recomendaria, fora do campo da língua portuguesa, desde que a literatura é literatura e sem falar na filosofia clássica.

Aqui está: a Ilíada e a Odisseia (Homero), a Bíblia, o Édipo Rei e a Antígona (Sófocles), a Eneida (Virgílio), as Metamorfoses (Ovídio), as Odes (Horácio). Depois, a Divina Comédia (Dante), o Cancioneiro (Petrarca), o Decameron (Boccaccio), a Utopia (Thomas More), O Príncipe (Maquiavel), o Orlando Furioso (Ariosto), o Pantagruel (Rabelais), os Ensaios (Montaigne), os Sonetos e o teatro de Shakespeare (pelo menos Hamlet, Rei Lear, Romeu e Julieta, Julio César, Macbeth e Othello), o D. Quixote (Cervantes), La vida es sueño (Caldéron), as Soledades (Góngora), as Fábulas (La Fontaine), Robinson Crusoe (Daniel Defoe), as Viagens de Gulliver (Swift). Seguem-se Orgulho e Preconceito (Jane Austen), o Prelúdio (Wordsworth), o Candide (Voltaire), as Odes (Keats), os Poemas de Hölderlin, o Fausto (Goethe), a Comédia Humana de Balzac (pelo menos Le Père Goriot, Eugénie Grandet, Illusions Perdues, Splendeurs et Misères des Courtisanes), La Chartreuse de Parme e Le Rouge et le Noir (Stendhal), os romances de Dickens (pelo menos David Copperfield, Oliver Twist e The Great Expectations), Crime e Castigo (Dostoievsky), Les Fleurs du Mal (Baudelaire), Madame Bovary (Flaubert), Folhas de Erva (Walt Whitman), os Monólogos dramáticos (Browning), as Poesias de Mallarmé, as Poesias de Rimbaud, os Sonetos a Orfeu e as Elegias de Duino (Rilke), a Recherche de Proust e o Ulisses de Joyce.

Já passei os 50 títulos e continuará a faltar sempre uma porção de coisas. Mesmo assim, este parece-me ser o cânone mínimo e nele contém-se a matriz de toda a literatura ocidental. Mas tudo depende ainda de outros factores, entre eles os da nacionalidade e da cultura de cada um: nestes exercícios de name dropping, um espanhol acrescentaria, pelo menos, o Arcipreste de Hita, Jorge Manrique, Garcilaso, Bóscan e Fernando de Rojas, um italiano apontaria Sanazzaro, Castiglione, Miguel Ângelo, Torquato Tasso, Marino, Manzoni e d'Annunzio, um francês não dispensaria François Villon, Ronsard, Du Bellay, Racine, Corneille, Molière, Alexandre Dumas pai e Júlio Verne, um inglês não passaria sem Chaucer, Marlowe, John Donne, Milton, Andrew Marvell, William Blake, Byron e Shelley, um alemão exigiria Schiller, Kleist, Heinrich Heine e Thomas Mann...

De onde se conclui que uma lista confinada a 50 obras, afinal, não chega para nada. Felizmente.

In DN

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