.
Quando a América fazia tratados em portuguêspor LEONÍDIO PAULO FERREIRA
Hoje
Os americanos podem ter orgulho em Edmund Roberts, o enviado à Tailândia que em 1833 assinou o seu primeiro tratado com uma nação asiática. Mas três séculos antes já Duarte Fernandes se fazia receber na corte do Sião (o antigo nome da Tailândia) para propor a amizade de D. Manuel I. E a prova de que a oferta de 1511 foi levada a sério é que os Estados Unidos tiveram de aceitar o português (a par do chinês) como idioma oficial em caso de disputa sobre o Tratado de Amizade e Comércio. É que nem os americanos entendiam tailandês, nem os tailandeses sabiam falar inglês, apesar do contacto ocasional com os britânicos da Índia.
Mas nesse início do século XIX, o português não resistia apenas como língua franca da Ásia. O tratado escrito em tailandês, inglês, chinês e português continha ainda um artigo que autorizava os Estados Unidos a criar um consulado no Sião se outra nação europeia (com exceção de Portugal) o fizesse. Porquê a ressalva? Porque os portugueses eram há muito presença habitual (Roberts relatou que um tal de Josef Piedade mandava no porto de Banguecoque) e a jovem república americana não ousava exigir um tratamento igual ao do país dos grandes navegadores.
Claro que não tardou muito que fossem os britânicos a mandar nos mares da Ásia, sobretudo depois de conquistarem Hong Kong. E os próprios americanos, ainda tão amistosos na abordagem inicial aos tailandeses, em 1853 já usavam a força dos canhões para impor aos japoneses a reabertura dos seus portos ao comércio externo.
O verdadeiro século português na Ásia tinha sido o XVI, quando a potência de fogo das nossas naus trazia tanto respeito e temor como hoje os porta- -aviões dos Estados Unidos.
O pormenor da versão portuguesa do primeiro tratado americano-tailandês surgiu numa visita de fim de semana ao Museu do Oriente. Instalado num antigo armazém de bacalhau junto ao porto de Lisboa, é um local cheio de peças únicas, desde o mobiliário indo-português, que a corte começou a importar ainda mal Vasco da Gama tinha regressado da viagem de 1498 ao Malabar, até ao capacete metálico de um samurai que imita o formato de um chapéu português do tempo das Descobertas.
Os portugueses foram os primeiros europeus a chegar por mar à Índia, Birmânia, Tailândia, Malásia, China e Indonésia. Em 1543, desembarcaram também no Japão, que tentaram cristianizar. E se havia samurais que nos admiravam, como o do chapéu de metal, outros fizeram tudo para expulsar quem lhes ensinou a usar as armas de fogo.
Tudo isto é passado, mas em época de crise faz bem redescobrir que um pequeno país pode ser uma nação de grande sucesso. E por trás da história estão oportunidades: alguém já reparou que um dos homens mais ricos da Malásia, Tony Fernandez, é filho de um goês e de uma kristang, esses cristãos de Malaca que falam um crioulo do português?
In DN