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A nova corrida ao ouroA escalada dos preços do nobre metal fez disparar projectos de novas minas no PaísMetidos dentro das galerias da mina, a 600 metros de profundidade, os mineiros sabiam os perigos que corriam. Durante 33 anos, Augusto Silva assistiu a episódios dramáticos, dentro e fora da mina de Campo de Jales.
\"Vi gente morrer à minha beira. Usávamos explosivos para arrancar a rocha com que carregávamos as vagonas e era muito perigosos. Fazíamos turnos de 8 horas dentro da mina, havia dias em que nem chegávamos a ver a luz do Sol\".
Durante 11 anos, o jovem Augusto percorreu as galerias escavadas nas serras do concelho de Vila Pouca de Aguiar, em Trás-os-Montes, à procura de ouro. Depois, foi promovido a maquinista e o trabalho passou a ser feito fora da mina, mas nem por isso acabaram os sustos. \"Eu nunca tive um acidente, mas houve colegas que tiveram azares graves. Lembro-me de que houve grupos de mineiros que ficaram mais de 24 horas presos dentro da mina, antes que conseguíssemos trazê-los cá para cima\", lembra Augusto, de 74 anos. E se não eram os azares a ceifar vidas, o ar viciado das galerias deixou a muitos uma terrível herança de doenças pulmonares e outros males. \"Morreu muita gente por causa das minas\", diz Augusto.
Augusto Silva reformou-se quatro anos antes do fecho da última mina de ouro que funcionou em Portugal. Foi em 1992 que a mina de Jales deixou no desemprego cerca de 300 trabalhadores – nos tempos mais prósperos chegaram a trabalhar ali três turnos de 800 pessoas. Luís Delgado, hoje com 57 anos, saiu semanas antes do fecho: \"Já se estava a prever que a mina ia fechar. Não dava rendimento\", explica o mecânico, que zelava pelas viaturas ao serviço da mina de Jales. toara
ESPERANÇA CAUTELOSA
O fecho da mina foi um duro castigo para a região. Arnaldo Ribeiro, actual presidente da Junta de Freguesia de Alfarela de Jales – onde surgem agora novos projectos de exploração do mais precioso dos metais – faz contas aos que partiram: \"O concelho perdeu cerca de 40% da população. Os mais novos não tinham onde arranjar emprego e a maior parte deles emigrou\". Hoje, volta-se a falar na abertura de uma nova mina de ouro, na zona da Gralheira, mas os de lá desconfiam.
\"Já houve três empresas a fazer aqui prospecções, mas nunca avançaram para uma nova mina. Eu sei que tem havido estudos, mas tento não me deixar entusiasmar demasiado. A população já não está com grande esperança de que volte a haver minas\", explica Arnaldo Pinto. Norberto Pires, presidente da Junta de Freguesia vizinha, Vreia de Jales – onde se situava a mina que fechou em 1992 – também revela algum pessimismo. \"Não estou ao corrente dos projectos que estão a fazer agora, mas há muito tempo que se ouve falar nisso e não se vêm resultados\".
LICENÇAS A CAMINHO
A julgar pelos pedidos que têm chegado à Direcção-Geral de Energia e Geologia (DGEG), as gentes de Vila Pouca de Aguiar têm razões para esperar o regresso da actividade mineira a breve prazo. Desde 2010, a entidade que regula o sector recebeu 15 novos pedidos de prospecção de ouro (não havia nenhum antes), e está a apreciar outros cinco para a abertura de novas explorações.
A mina de Gralheira, em Jales, é uma das três que tem \"o processo de concessão de uma licença de exploração mais adiantado\", explica à Domingo Luís Martins, da Direcção de Serviços de Minas e Pedreiras da DGEG. São várias as empresas, nacionais e estrangeiras, interessadas, incluindo a Empresa de Desenvolvimento Mineiro, de capitais públicos.
Fonte desta empresa confirma que a EDM espera a curto prazo por uma decisão das autoridades para avançar para a exploração da nova mina da Gralheira. Um cenário justificado pelos consecutivos recordes que o preço do ouro tem atingido nos últimos tempos: \"Se o valor do ouro triplica, obviamente que o mesmo acontece em relação ao material que está depositado nas minas\", explica fonte da EDM à Domingo.
Os métodos que o antigo mineiro Augusto Silva conheceu quando trabalhou nas minas de Jales são, hoje, parte do passado. Uma mina com boa rentabilidade permite que se retire entre 4 a 6 gramas de ouro por cada tonelada de material extraído, o que exige tecnologia apurada e muito investimento.
\"O pedido de concessão para uma mina com uma certa dimensão deve ser acompanhado de dois elementos fundamentais: Estudo de Impacto Ambiental e o Plano de Mina, incluindo, este último, o plano de lavra, o plano de recuperação paisagística, o estudo de viabilidade económica e o plano de gestão de resíduos. Todos estes documentos têm de ser aprovados pelas entidades competentes\", explica Luís Martins, da DGEG.
Os prazos são demorados: \"Entre o pedido de concessão e a entrada da mina em produção, é normal passar entre um e dois anos, dependendo da menor ou maior complexidade da operação\".
Para além de Jales, também podem estar prestes a ser aprovados duas novas minas, em Montemor-o-Novo e na Serra de Banjas, que abrange os concelhos de Valongo, Gondomar e Paredes.
OURO NO ALENTEJO
Há décadas que sucessivos estudos geológicos apontam para a existência de ouro na região de Montemor-o-Novo. Mas só agora parecem estar reunidas as condições para a abertura de uma mina experimental na zona do Escoural. Carlos Pinto de Sá, Presidente da Câmara de Montemor-o-Novo, dá conta do optimismo que se vive em relação ao início da actividade: \"Com a melhoria das técnicas de extracção e a subida dos preços do ouro, passou a ser viável ter aqui uma mina\".
O autarca desconhece os pormenores dos projectos em curso, mas espera que se mantenham as expectativas criadas pela Iberian Resources, uma empresa de capitais canadianos que fez prospecções na região antes de ceder a concessão à Colt Resources, também do Canadá: \"Apontava-se para uma exploração durante, pelo menos, 10 anos, criando-se cerca de 100 empregos directos. Pode não parecer muito, mas faria a diferença nesta região\", diz o autarca.
A Colt Resources, já explora outros minérios em Portugal e tem em curso outras prospecções de ouro, por exemplo em Penedono. Mas o projecto de Montemor-o-Novo é o mais adiantado e a própria DGEG confirma que o processo de concessão de uma licença para a extracção experimental está bem encaminhada. Até porque já existe um estudo de impacto ambiental que prova que \"é possível conciliar o ecossistema que existe na Serra de Monfurado com a exploração dos recursos minerais\", garante Carlos Pinto de Sá.
O autarca preferia que a nova mina fosse explorada por portugueses, mas não desdenha o investimento canadiano, que poderá trazer um novo fôlego a este concelho alentejano.
INVESTIMENTO CANADIANO
Grande parte dos projectos de prospecção vêm de companhias sediadas no Canadá. Luís Martins confirma que \"as empresas que mais têm investido no nosso País em prospecção e pesquisa são canadianas, mas também se tem registado investimento americano, australiano, português, etc.\". Em tempos de crise, há um notório esforço para atrair a Portugal quem queira explorar as riquezas escondidas debaixo do chão: \"A DGEG tem realizado campanhas de promoção do nosso potencial mineiro um pouco por todo o mundo, com especial destaque para o Canadá (Toronto) e China (Xangai)\", diz o responsável da Direcção de Serviços de Minas e Pedreiras.
Em Banjas, zona para a qual existe outro pedido de concessão de uma licença de exploração - ainda a ser apreciado - também são capitais canadianos que estão por trás da Almada Mining, empresa sedeada em Portugal que é titular da concessão. Sem querer adiantar pormenores, Luís Martins admite que, dos 15 pedidos de prospecção que entraram desde 2010, existem locais com \"excelente potencial\" em Trás-os-Montes.
Augusto Silva, que deu 33 anos da sua vida à mina de Jales, onde também trabalharam quatro dos seus 12 filhos, espera voltar a ver mineiros na sua terra. \"Não foi por falta de ouro que as minas fecharam. Era uma grande riqueza para esta região\". O ex-colega Luís Delgado, também anseia por novidades. Quanto mais não seja pela filha, uma engenheira química que ainda procura o primeiro emprego.
E TUDO OS ROMANOS LEVARAM
As minas de Jales, em Vila Pouca de Aguiar, foram a últimas de onde se extraiu ouro em Portugal. Fecharam em 1992, mas o início da exploração remonta ao início da era cristã. Terá sido durante o Império de Augusto que se intensificaram as actividades de extracção de ouro na Península Ibérica. O nordeste transmontano foi uma das regiões mais procuradas.
As explorações de Tresminas e de Jales já eram conhecidas dos Romanos, que dali extraíram preciosas pepitas de ouro, que haveriam de ser levadas para Roma. Também na zona de Valongo – onde poderá abrir em breve uma nova exploração – são conhecidas várias minas construídas pelos Romanos. Existem até circuitos turísticos que permitem aos visitantes conhecer os locais de onde se retirou o mais precioso dos minérios.
Ali perto, Castromil (Paredes) foi outro importante centro de mineração. Em São Pedro do Sul e em outras partes do Alentejo, também existem várias minas romanas. Além do ouro, os Romanos exploraram minas de prata e de chumbo, mas pouco restou após a sua partida.
NOTAS
RECORDE
O ouro chegou nesta semana aos 1800 dólares ( 1266 euros) por onça. Em 2009, não chegava a mil dólares.
SEGURO
Os analistas garantem que a tendência de valorização do ouro se vai manter na próxima década.
RESERVAS
O Banco de Portugal tem reservas de ouro avaliadas em 12 mil milhões de euros, mas existem restrições à sua venda.
CM, 2011-08-15
In DTM