Colmeia
Gostaria de reagir a esta mensagem? Crie uma conta em poucos cliques ou inicie sessão para continuar.

Colmeia

Espaço arejado e limpo, onda a baixaria não entra
 
InícioPortalÚltimas imagensProcurarRegistarEntrar

 

 Tarrafal

Ir para baixo 
AutorMensagem
Fantômas

Fantômas


Mensagens : 5780
Data de inscrição : 12/09/2008

Tarrafal Empty
MensagemAssunto: Tarrafal   Tarrafal Icon_minitimeDom maio 03, 2009 5:07 pm

.
Memórias do Tarrafal 34 anos depois do encerramento do 'Campo da Morte Lenta'

por SIMON KUIN
Hoje

Tarrafal Ng1144916

Simpósio. Antigos prisioneiros e guardas voltaram à ilha de Santiago, em Cabo Verde

Nobre Ferreira Pereira Dias tinha 14 anos quando pela primeira vez combateu o regime colonial português em Angola. O seu pai, que não pagara os impostos, estava preso e o rapaz correu em seu socorro. Com uma faca, cortou as cordas que prendiam as mãos de pai, porque achava que "os pobres não têm de pagar impostos". Nos anos sessenta, passou vários anos no Campo de Trabalho de Chão Bom, mais conhecido por Campo de Concentração do Tarrafal. Hoje, passados 47 anos, está de volta ao campo. Marcado pela idade, confessa, à sombra de uma acácia frente ao antigo refeitório: "Vivi para este dia. Agora posso morrer."

Emoções fortes, a alegria de reencontrar velhos companheiros e a vontade de testemunhar foram os elementos dominantes do Simpósio Internacional do Tarrafal, de 29 de Abril a 1 deste mês. Estava reunido um grupo de antigos prisioneiros, vindos de Cabo Verde, Guiné-Bissau, Angola e Portugal. Alguns muito conhecidos, como Luandino Vieira e Edmundo Pedro, um dos últimos sobreviventes do primeiro período do campo (caixa), outros menos. Homens frágeis mas felizes, na consciência que seria provavelmente a última oportunidade de se encontrarem.

Luandino Vieira, que visitara o campo duas vezes anteriormente, guarda memórias profundas: "Lembro-me sobretudo da alegria sempre que um dos companheiros era libertado. Foram os melhores momentos da vida no campo." Ninguém, contudo, deixou o Tarrafal sem problemas de saúde ou marcas psicológicas.

Jaime Ben Hare Soifer Schofield, cabo-verdiano preso por actividades políticas clandestinas, ficou com horror às grades. "Depois da minha libertação, não consegui viver em casas com grades nas janelas. Tive pesadelos por causa disso. A minha casa foi assaltada cinco vezes, porque eu recusava pôr grades nas janelas."

Durante o colóquio, que reuniu, além dos tarrafalistas, investigadores e os ministros da Cultura de Cabo Verde, Guiné-Bissau e Angola, disse-se haver tendência para limpar a imagem do campo. Afinal, a vida não seria tão má dentro das muralhas do 'campo de trabalho', e muito melhor do que em outros campos de concentração, nomeadamente os nazis. Os tarrafalistas opõem-se a esta visão.

"Isto foi mesmo o campo da morte lenta", explicou Jaime Schofield. E acrescentou: "Quem sofreu mais foram os angolanos e guineenses. Nós, cabo-verdianos, ainda tínhamos a família relativamente perto. Eles não. O isolamento também é uma forma de tortura." Edmundo Pedro, que conheceu os horrores do primeiro período do campo, disse preferir isso à vida dos reclusos africanos, porque esses não podiam circular livremente pelo campo. A maior parte do dia, estavam fechados nas celas. Contudo, os prisioneiros encontraram maneiras de comunicar uns com os outros.

Os angolanos e guineenses, que viviam em blocos adjacentes, inventaram um código secreto de gestos. Assim, passavam notícias sobre a luta pela independência em África. A comunicação só foi possível com a ajuda da população do Tarrafal e do Chão Bom. E era frequentemente passada por guardas que simpatizavam com os prisioneiros. Joaquim Lopes, um dos antigos guardas, presente no colóquio, tem a consciência tranquila. Entre abraços trocados com tarrafalistas guineenses, conta como ajudava os prisioneiros: "Eles juntavam-se num dos cantos do campo e fingiam atirar pedras aos pássaros. Mas as pedras tinham mensagens, que depois eu ia recolher."

No dia do encerramento do colóquio, foi depositado uma coroa de flores no cemitério do Tarrafal, para homenagear os prisioneiros mortos. "A memória do campo e da luta contra a repressão salazarista tem que continuar viva", sublinhou Mário Soares, presente no último dia. O antigo campo de concentração do Tarrafal, agora transformado em museu, oferece todas as condições para que esse episódio negro da história não caia outra vez no esquecimento.

In DN

Tarrafal 000202F7
Ir para o topo Ir para baixo
 
Tarrafal
Ir para o topo 
Página 1 de 1

Permissões neste sub-fórumNão podes responder a tópicos
Colmeia :: Cultura :: História-
Ir para: