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Um príncipe entre o povo convenceu eleitores com uma cervejapor LUÍS NAVES
Hoje
Karel Schwarzenberg, o verdadeiro vencedor das eleições na República Checa. Tem 72 anos e passou grande parte da sua vida a lutar pela justiça e pelos direitos humanos. Agora, à frente de um partido novo, o aristocrata tornou-se decisivo na estrondosa vitória do centro-direita nas legislativas checasA recente campanha das eleições legislativas na República Checa teve demasiadas novidades, sobretudo novos partidos e temas complicados. Entre os assuntos que mais preocuparam os eleitores, esteve a crise financeira grega, que levou ao debate político conceitos como dívida e défice público, pensões e insegurança económica.
Mas foi nos partidos que surgiu a verdadeira mudança. A paisagem partidária não será a mesma depois do terramoto de domingo. Na próxima legislatura, seis em cada dez deputados serão novatos no parlamento. Os eleitores romperam com a classe política e fizeram uma renovação radical.
Uma das novas formações, TOP 09, criada por políticos independentes de centro-direita, é liderada por um dos dirigentes mais populares do país, um antigo ministro dos negócios estrangeiros e aristocrata chamado Karel Schwarzenberg. Os analistas são unânimes em afirmar que este trunfo foi o decisivo nas eleições.
O TOP 09 não fez megacomícios nem campanhas à americana. Em vez disso, o príncipe Schwarzenberg, de 72 anos, percorria cervejarias, onde se sentava à mesa com eleitores e, perante uma bela caneca e um goulash, discutia abertamente os temas que interessavam às pessoas. Um eleitor sintetizava, com jovialidade, a uma repórter de televisão: "Na República Checa, não há problema que não se resolva numa cervejaria."
Estas palavras parecem proféticas. O sistema político esteve quatro anos paralisado e o impasse foi agora desfeito. Karel Schwarzenberg, um príncipe entre o povo, que anda em transportes públicos e que ninguém pode acusar de querer enriquecer com a política, é na realidade a figura mais influente da República Checa. A sua previsível candidatura presidencial em 2013 ganhou uma solidez quase imbatível.
O castelo de Praga A imprevisibilidade da política contemporânea recomenda apesar de tudo alguma cautela em análises apressadas. A antiga Boémia não é grande entusiasta da nobreza e a família Schwarzenberg (cujas origens remontam à Idade Média) pertence à altíssima aristocracia do império austro-húngaro e, portanto, à minoria alemã.
O príncipe nasceu em 1937, em Praga, mas passou a juventude no exílio, sobretudo na Áustria e Suíça. O político tem formação de jurista e passaporte suíço. Herdeiro dos títulos de nobreza da sua família, é também Duque de Krumlov, título histórico na Boémia.
Por outro lado, a República Checa, como o nome indica, é uma república, e no Castelo de Praga (diz-se que o castelo foi o modelo para o romance homónimo de Franz Kafka) senta-se um antigo rival de Karel Schwarzenberg. Trata-se do Presidente Vaclav Klaus, que derrubou o governo de Mirek Topolanek em 2009, em grande parte por detestar o seu ministro dos Negócios Estrangeiros, que fora chamado para dar consistência à presidência europeia. A intenção de Klaus, tudo indica, era limitar a crescente popularidade do príncipe.
Schwarzenberg sempre recusara a política habitual; nos anos 70 e 80 estivera na luta pelos direitos humanos, no tempo do comunismo; depois, combatera o domínio dos grandes partidos; acima de tudo, representava a política com ética, contra os vira-casacas e os corruptos.
A razão Os eleitores deram-lhe razão no domingo, ao desmentirem as sondagens que previam como iminente a vitória dos partidos da esquerda. A formação de Schwarzenberg foi a grande surpresa da votação, ao atingir o terceiro lugar. O TOP 09 (a sigla significa Tradição, Responsabilidade, Prosperidade) fundado em 2009, obteve quase 17% dos votos e elegeu 41 deputados (em 200). Mais importante ainda, Schwarzenberg garantiu a vitória do centro-direita, impôs uma derrota histórica às forças pós-comunistas e é o parceiro necessário da coligação no governo.
Esta coligação foi rapidamente negociada esta semana. A discussão terminou anteontem e o próximo governo checo deve incluir três partidos: os democratas-cívicos (ODS, liberais), que conseguiram 20,2% e elegeram 53 deputados; o TOP 09 de Schwarzenberg; e ainda outra formação recente, um partido chamado Assuntos Públicos (VV, centristas), que recolheu 10,9% dos votos e elegeu 24 deputados. A confortável maioria de 118 deputados, a contrastar com a divisão da anterior legislatura em dois blocos de cem deputados cada, é mesmo assim enganadora: o Presidente Vaclav Klaus ainda não nomeou o primeiro-ministro (que deve ser Petr Necas, da ODS); e os dois partidos novos são frágeis.
No caso do TOP 09, há quem afirme que o verdadeiro líder não é Schwarzenberg, mas Miroslav Kalousek, que viu muitos dos membros da sua facção afastados do parlamento. As análises são mais ou menos assim: se houver desconfiança entre os dois, Kalousek vencerá o conflito inevitável.
Mas a derrota da esquerda, na República Checa, representa a redução da influência de dois partidos que já estavam na oposição: os social-democratas (CSSD) e os comunistas do KSCM. Os social-democratas tiveram mais votos, mas a sua coligação com os comunistas soma apenas 74 deputados. Este resultado representa uma mudança histórica, seguindo o padrão do que já sucedera na Polónia e Hungria, com o afastamento dos pós-comunistas.
Deve ser um resultado saboroso para o diplomata e aristocrata checo, que passou toda a sua vida a lutar pela justiça e cuja família teve de fugir em 1948, quando os comunistas tomaram conta do país, criando um regime que iria durar um pouco mais de quatro décadas.
In DN