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Romy

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MensagemAssunto: Crónicas   Crónicas Icon_minitimeSáb Set 20, 2008 11:46 pm

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ARTES DO SILÊNCIO

Crónicas 775734

Manuel Maria Carrilho

It is better to remain silent and be thought a fool than to open one's mouth and remove all doubt

ABRAHAM LINCOLN

A nova liderança no PSD trouxe consigo, não uma nova visão do país e do seu futuro, mas um tema surpreendente - o do silêncio. Um silêncio que perturbou pela sua intensidade, e porque procurou contrariar a ideia que os políticos só querem aparecer, falam muito mas fazem pouco.

A ideia de uma estratégia do silêncio não é, todavia, nova. Vale a pena ler, a propósito, um curto mas inspirador livro do Abade Dinouart, publicado há mais de dois séculos, sobre l'art de se taire, a arte de se calar. Livro que, note-se, era já então assumido pelo seu autor como um gesto de combate contra o que ele diagnosticava como uma epidemia, a "epidemia de falar e de escrever" ...

São sobretudo duas, as ideias que vale a pena destacar. A primeira, é que o silêncio é um modo de falar. A arte de ficar calado consiste em fazer com que o silêncio tenha significado - caso contrário, lembra Dinouart, não haveria aqui diferença entre os homens e os animais. Ou seja, o que se pretende é atingir uma espécie de mutismo eloquente que, conforme as situações concretas, saiba combinar o silêncio, as expressões e os gestos para criar atenção, suscitar perplexidade e induzir respeito. Por isso, «o primeiro grau da sabedoria é saber calar-se; e o segundo é saber falar pouco e moderar-se no discurso.»

A segunda ideia, é que o valor do silêncio decorre de três características centrais: ele estimula a prudência, contorna os compromissos e diminui os riscos. Ao contrário da retórica tradicional, que enfatiza os talentos do orador sem perceber os perigos do descontrolo da palavra nem as consequências do arrebatamento passional, o Abade Dinouart lembra que, se o silêncio é de ouro, é não só porque ele não compromete, mas também porque ele permite todas as nuances, todos os cálculos e todos os equívocos, podendo induzir verdadeiras transfigurações, como as de «fazer de um homem limitado um sábio, e de um ignorante um homem capaz.»

E este potencial do silêncio reconhece-se melhor se considerarmos a variedade dos seus múltiplos tipos. Dinouart discrimina por isso dez tipos, que resultam, em cada momento, das diversas combinações possíveis do silêncio com a circunstância e a expressividade dos indivíduos. O silêncio pode assim ser prudente, quando domina a conveniência de acordo com o tempo e o lugar, artificioso quando quem se cala o faz para surpreender, complacente quando se quer sobretudo agradar, trocista quando se quer iludir ou espiritual quando a intenção é só insinuar.

Mas o silêncio pode ainda ser estúpido, quando revela alguém taciturno, que não significa nada, de aprovação quando exprime sintonia ou simpatia, de desprezo quando afecta frieza, ou de humor quando varia com a disposição subjectiva do momento. O último é o silêncio político que, diz o Abade Dinouart, é o de uma pessoa «prudente, que se cuida, se conduz com circunspecção, que não se abre, não diz o que pensa, não explica a sua conduta nem os seus propósitos. Que, sem trair a verdade, não responde com clareza para que não o descubram.

O que esta análise da "arte de ficar calado" não podia naturalmente antecipar, era uma época em que, como acontece hoje, a mercantilização da informação e a mediatização da comunicação se tornariam tão intensas e avassaladoras, que rapidamente transfiguram qualquer silêncio - sobretudo se for político - numa estridente cacofonia. E que por isso, como um dia acertadamente escreveu Elsa Triolet, o mais certo é que ele acabe por «atiçar os grandes equívocos, sem apagar os pequenos». Como se tem visto!
Europa refém?

Quem também parece ter apostado na estratégia do silêncio, é a Europa e o Presidente da Comissão Europeia - quanto mais consequências tem a crise do subprime iniciada há um ano, maior é o silêncio europeu, a revelar uma fragilidade bem distante das suas proclamadas ambições políticas no mundo. O mínimo que, dada a gravidade da situação, se podia esperar de Durão Barroso, era a iniciativa de uma urgente conferência internacional sobre a regulação financeira a nível global. A ideia que se vai consolidando, é a de uma Europa refém das ilusões neoliberais das últimas décadas. E, por isso, incapaz de assumir que só uma reforma que, assente em Estados fortes, reforce a regulação financeira a nível global, pode responder à crise. Até onde será preciso ir? Depois da intervenção, há meses, do J.P.Morgan no Bear Stearns e, agora, da intervenção estatal no Fannie Mae e no Freddie Mac; depois do resgate do Merryl Lynch pelo Bank of America, da estrondosa falência do Lehman Brothers e da nacionalização da AIG, até onde será preciso ir, para que finalmente se assumam propostas reformadoras do sistema financeiro internacional?

Nota: Na crónica da semana passada, por um lapso decorrente da alteração final de uma frase, a Noruega foi incluída na UE dos 27, a que, como se sabe, ela não pertence. Aqui fica a (in)dispensável rectificação.

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MensagemAssunto: Requiem para a palavra escrita   Crónicas Icon_minitimeDom Out 12, 2008 9:22 pm

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REQUIEM PARA A PALAVRA ESCRITA

Crónicas 045060

Ferreira Fernandes
Jornalista - ferreira.fernandes@dn.pt

A semana em balanço: passei-a a olhar gráficos. Uns eram o sonho dos praticantes de skate.

O Dow Jones, do pico do Kilimanjaro para a fossa de Mindanao, e todos nas mesmas curvas descendentes - do Dax alemão ao Bovespa brasileiro. Mas ninguém melhor que o japonês Nikkei (ah, o Nikkei de sexta-feira!) para me revelar a emoção do faltar chão de repente. Num dia, -9,62%, soube depois, mas isso não me diz nada. O mergulho do gráfico, sim.

É vendo os gráficos que percebo as fotografias que fizeram manchete esta semana. Os personagens só têm dois registos: ou espantados (boca aberta e olhos cravados numa parede de números cabalísticos) ou desanimados, mortiços (há quem pouse a cabeça no teclado dos computadores). Uma coisa sei: os trabalhadores bolsistas não são adeptos do método Stanislavski, o dos actores contidos. Eles são mais género teatro português, os olhos esbugalhados revelando o que vai na alma. Uma vez tiraram-me uma foto na Disneylândia, naquela montanha-russa que se despenha em vertigem - a boca dizia um oh! mudo mas redondo como tudo. Acho que eu tinha jeito para trabalhar na Bolsa numa manhã de crise.

Os outros gráficos a que me dediquei esta semana foram os das eleições americanas. Entendi o sentido dos swing states, estados dançarinos. O Texas e a Califórnia não são dançarinos, pois não. A curva vermelha dos republicanos ora está em cima (Texas) ora em baixo (Califórnia), sem tocar na curva azul dos democratas - a posição de uma e outra é eterna. Ali, Obama e McCain mais parecem dois carris ferroviários num longo diálogo inexistente de quem nunca se cruza.

Mas ele há estados que são um tango sôfrego. O Ohio é um dos meus dançarinos preferidos. Até Maio, eram duas cobras em espelho, a vermelha do republicano por cima da azul do democrata, afastadas mas síncronas: quando uma descia, a outra subia exactamente o mesmo. A 23 de Maio, vá lá saber-se porquê, as duas cobras cruzaram-se e inverteram a posição. Obama, então, passou a mandar no baile, com os mesmos passos de dança que, aproximando-se, afastavam o outro em reflexão exacta.

Até 30 de Julho, dia em que as duas curvas se agarraram num amplexo durante duas semanas. O gráfico dizia 46% para cada um, mas julgo que foi mais 46o febris porque dois corpos não se agarram tanto tempo impunemente. A 16 de Agosto cansaram-se, foi McCain para cima. Um mês depois, voltaram a encontrar-se, breve beijo, o que excitou o republicano (velho marinheiro), que voltou acima. No começo de Outubro, nova inversão, Obama passou a dominar o par dançarino. À hora em que escrevo, os dois olham-se como se tocasse Gardel.

Esta é a história de uma crise: a da linguagem escrita. Levei 2695 caracteres para chegar aqui. Eu soube do mesmo em olhares breves.

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MensagemAssunto: NA MORTE DE UM INVEJADO   Crónicas Icon_minitimeQua Out 29, 2008 5:27 pm

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NA MORTE DE UM INVEJADO

Crónicas 252481

Ferreira Fernandes

Conheci o Acácio Barradas onde não devia tê-lo conhecido, no exílio dele. Se há pessoa que me devolve a imagem de Luanda - cidade crioula - foi ele.

Ponho-o no passado não porque ele agora morreu, ponho-o porque o tempo dele foi outro. O rapaz de Mafamude, bonito e que gostava de se vestir bem, um dia chegou a Luanda, sozinho. Nos anos 50, a cidade colonial aparentemente era dois mundos - mas só para quase todos. Havia poucos, e o Acácio foi dos raros que entendiam o essencial: Luanda era um bairro vizinho da Ladeira da Barra, Salvador da Baía. No seu currículo fala-se de O Comércio, Diário Popular e deste DN, onde se reformou... Esquecem-se do que mais o define: ele trabalhou para a Tribuna dos Musseques. Deve ter sido o tipo que mais amou e foi amado por mulatas. Um dia, pela única razão que o podia levar a isso (apaixonou-se pela Edite, uma benguelense), expatriou-se, veio atrás dela para Lisboa. Foi aqui que o conheci (nas redacções de O Ponto, do Diário Popular e no DN), invejando-o pelo que ele foi, um luandense pleno. Dizem--me que as suas cinzas serão deitadas ao mar do Bugio. Boa escolha, ele haverá de voltar à sua pátria.

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MensagemAssunto: A DEPRESSÃO PORTUGUESA   Crónicas Icon_minitimeQua Out 29, 2008 5:49 pm

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A DEPRESSÃO PORTUGUESA

Crónicas 270869

Baptista-Bastos
Escritor e jornalista - b.bastos@netcabo.pt

A consciência de que terminou um ciclo do capitalismo tem passado ao lado daqueles eventualmente mais apetrechados para descodificar e proceder à reformulação das grandes categorias económicas.

Gritar por Keynes e omitir Marx não é intelectual nem eticamente sério: é revulsivo. Há algo de doentio em apagar a evidência do conhecimento, tornando-o unilateral. As relações culturais não são meramente conflitivas: representam o espaço mais amplo da liberdade. Leio textos editados na Imprensa portuguesa acerca da crise financeira mundial e nenhum dos que li incita à reflexão - sim à depressão.

Portugal, aliás, é um concentrado de deprimidos. Leia-se Manuel Laranjeira. Mas também Antero, Eça (que escondia o acabrunhamento com a zombaria e o cinismo) e, sobretudo, o imenso Oliveira Martins, cujo Portugal Contemporâneo fundamenta um magno tratado do que fomos e do que somos. Além do mais, Martins escrevia num idioma admirável, no qual a clareza se associava ao mais elegante sainete. Mas se quiserem uma excelente introdução a essa época, a essa gente e ao espírito de uma fascinante aventura cultural, estética e ética leiam, com mão diurna e mão nocturna, A Tertúlia Ocidental, de António José Saraiva, outro dos grandes esquecidos. Numa semana em que se comemora um autor estimável, seria bom não olvidar aqueles que tentaram a identificação do "moderno", combatendo a desgraçada condição social do português. Eles procediam de Verney, de Luís da Cunha, de Herculano e de Garrett, e pelejavam com forças inominavelmente superiores. A "desistência" das elites, substituída por uma casta de medíocres, transformou-nos em uma espécie de carpideiras. A depressão vem de longe, e aqueles de nós que almejavam defender a condição de todos e a livre realização de cada um, cedo foram ameaçados, removidos ou impelidos ao silêncio. Sei muito bem do que falo.

O pensamento político dos partidos portugueses continua imutável. O debate entre as duas grandes opções ideológicas, que instigou as gerações saídas da II Grande Guerra, quedou-se na banalidade ou na repetição dos equívocos. Vejamos: se as declarações de Sócrates pecam por um excesso de optimismo ou se se apoiam em técnicas de marquetingue, a dr.ª Manuela Ferreira Leite, ao quebrar o tenaz mutismo, acentua a depressão nacional. Quando a política deixa de ser relação, deixa de ser política e converte-se nesta massa parda e viscosa. Reformular as categorias políticas só seria possível com a radicalização dos conceitos de liberdade e de sociedade. Já se viu a falência do "socialismo real" e estamos a assistir à queda da infausta experiência do "neoliberalismo". Os encomiastas de um sistema económico que deixou o mundo derreado carregam um fardo pesadíssimo.

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scratch
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MensagemAssunto: O 'cu-cu' triestino de Sílvio a Ângela   Crónicas Icon_minitimeSeg Nov 24, 2008 11:32 pm

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O 'CU-CU' TRIESTINO DE SILVIO A ANGELA

Crónicas 572806

Leonídio Paulo Ferreira
Jornalista
leonidio.ferreira@dn.pt

O velho cais onde desembarcava o imperador austríaco nas visitas a Trieste não fica muito longe da hoje chamada Piazza dell'Unità d'Italia, onde a semana passada Silvio Berlusconi se escondeu atrás de uma coluna para pregar um pequeno susto a Angela Merkel. "Cu-cu", disse o primeiro-ministro italiano à chanceler alemã, que sorriu embaraçada e trocou dois beijos com o imprevisível Silvio.

O episódio, vindo de Berlusconi, não surpreende. Há uns anos ficou numa foto com dois dedos em riste sobre o ombro de um ministro espanhol, talvez a mais famosa das diabruras deste magnata da comunicação que vai já na sua terceira experiência como chefe de Governo. Mas tem certa piada que tenha acontecido na cidade onde melhor se cruzaram ao longo dos séculos os espíritos italiano e germânico. Ainda hoje, nas ruas, se mistura a sonoridade latina das conversas de café com a imponência da arquitectura deixada pelo Império Austríaco. Até 1918, data em que se tornou italiana, a cidade do Adriático foi o principal porto dos territórios dos Habsburgos. A Primeira Guerra Mundial mudou tudo.

Fundadores da NATO e da União Europeia, Alemanha e Itália fazem parte também do grupo dos sete países mais industrializados. Nas duas guerras mundiais, foram inimigas numa e aliadas noutra, até Mussolini ser derrubado e os italianos se voltarem contra as tropas de Hitler. E no século XIX, prova maior da proximidade das suas histórias, nasceram ambas como nações unificadas apenas com o intervalo de um ano: a Itália em 1870, num processo político liderado pelo reino do Piemonte, a Alemanha em 1871, sob a liderança de uma Prússia que reuniu os povos de língua alemã, mas tudo fez para deixar de fora uma Áustria demasiado poderosa (e multicultural) para ser subjugada.

Nesta cimeira triestina, Berlusconi e Merkel discutiram soluções para a crise financeira mundial. E também a criação de uma comissão para investigar as atrocidades nazis contra italianos. Perto de Trieste, em Risiera di San Sabba, fica o único campo de concentração que alguma vez chegou a funcionar em território italiano. Mas se tiver que haver alguma relação histórica a ser lembrada entre aqueles que falam italiano e os que se expressam em alemão, mais vale que seja a vida de Ettore Schimtz, esse judeu triestino, que nasceu súbdito austríaco, estudou na Alemanha e morreu cidadão italiano. É mais famoso sob o pseudónimo de Ítalo Svevo e recebeu aulas de inglês de James Joyce, leu em primeira mão Os Dublinenses e foi incentivado pelo escritor irlandês a publicar a sua obra: o livro mais conhecido é Confissões de Zeno. Ítalo Svevo quer dizer "o italiano suábio", ou "o italiano alemão", com a Suábia a ser uma região do Sul da Alemanha onde o jovem Schmitz viveu durante uns anos.

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MensagemAssunto: O obituário em todas as páginas   Crónicas Icon_minitimeDom Dez 07, 2008 10:40 pm

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O OBITUÁRIO EM TODAS AS PÁGINAS

Crónicas 690671

Ferreira Fernandes
Jornalista - ferreira.fernandes@dn.pt

Isto está mal? Sim, oiço os telejornais e leio os diários nacionais. Mas preciso de uma opinião mais cosmopolita (não é a crise internacional?). Por exemplo, o Times, de Londres. Por exemplo, o de ontem.

A manchete: "Perda de empregos em espiral nos EUA." Faço bem em recorrer à imprensa britânica. Sendo a crise económica, é preferível escutar quem é capaz de fazer aquele título teclando 23 vezes (Job losses spiral in US) em vez das 36 que eu gastei para dizer o mesmo. Sobre aquela má notícia: saíram as estatísticas de Novembro e ultrapassou-se o meio milhão de novos desempregados num só mês. Nunca visto desde 1974, o ano em que não nos preocupámos com estas coisas, mas os americanos, sim.

A foto da capa é também sobre a crise, mas de tal maneira crise que não cabe neste rol (as mãos encarquilhadas de um zimbabwiano com cascas de árvore que são agora a dieta naquele infeliz país). Retornando à nossa crise, moderna, e ainda na primeira página do Times: voltou o Spam! Spam é uma marca de carne enlatada, divulgada pelos soldados americanos (diz-se que foi com as latas Spam que ganharam a II Guerra Mundial). Alimento barato, tornou-se símbolo das décadas de 40 e 50, humildes e vigorosas. Aquela carne era feita não se sabe bem com quê. A Internet haveria de recuperar o termo, spam, para definir aquilo que é suspeito e nos aterra na caixa de correio electrónico. O Times trata do assunto no editorial e numa notícia: as fábricas da Spam em Austin, Minesota, deixaram de folgar, tantas são, agora, as encomendas.

Folheando, aprendo que o French News, jornal dos ingleses na Dordonha, França, vai fechar. Durante mais de 30 anos, a Dordonha foi o destino continental dos reformados remediados do outro lado da Mancha. Mas, diz a dona do jornal: "O dinheiro deixou de circular." A reforma de um professor inglês caiu de 1600 para 1300 euros, lá têm de voltar para o chuvisco de Liverpool. Outra notícia: um dos ícones da indústria automóvel, a Vauxhall, implora dinheiro, vai despedir e talvez venha a fechar. Caiu em 9% a venda de água engarrafada. O Governo britânico teme que o aproveitamento escolar baixe à medida que as famílias se enredem na crise.

Uma página para um jovem cozinheiro abençoado pela fama, Jamie Olivier, dar as suas receitas de Natal. O Times definiu-as assim: sóbrias. Trufas e champanhe estão excluídos. Outro título: "Quando os grande jogadores começam a pedir vinho barato, é porque a recessão chegou a Las Vegas."

Preciso de ar, procuro as páginas de desporto. O maior destaque vai para o abandono da Honda na Fórmula 1. Foto de pilotos e mecânicos, gente habituada a abanar garrafas de champanhe e a desperdiçá-lo no pódio, com ar de despedidos.

Sim, estamos mal. A novidade é que não estamos sozinhos.

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Embarassed
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MensagemAssunto: Memória de um Natal   Crónicas Icon_minitimeQui Dez 25, 2008 8:08 pm

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MEMÓRIA DE UM NATAL

Baptista-Bastos
Escritor e jornalista - b.bastos@netcabo.pt

Faz agora anos.

Eu era um tira-picos na Redacção de O Século. A "universidade", a "catedral", diziam uns e outros. Entre receoso e feliz olhava aqueles homens graves, que escreviam o jornal com a vaidade de quem está a retratar o mundo em corpo 8 redondo. Grandes, extraordinários jornalistas, obscuros e anónimos, que sabiam, oh, se sabiam!, que as páginas impressas eram produto dessa paixão viva como o sangue. Eu era esgalgado, afirmativo, e queria caber naquela tribo. Por vezes, para "colorir" a notícia, atrevia-me à tolice do adjectivo. Chamavam-me logo: "O menino está a trabalhar num jornal que custa cinco tostões. Não queremos cá Malhoas!" O chefe da Redacção, Acúrsio Pereira, uma lenda da Imprensa. Pequeno, gritador emérito, comentava-se que dormia embrulhado em folhas impressas. Dividia a humanidade em jornalistas e não-jornalistas, sendo O Século a representação do seu império. O Século pertencia à família Pereira da Rosa, mas o jornal era do Acúrsio. Faz agora anos: uma noite de frio e de morte. Naufrágio na Nazaré. Fora para lá uma equipa de quatro repórteres, dirigida por Francisco Mata, outro dos grandes, mas o Mata ficara impressionadíssimo com o que observara na praia, e não conseguia organizar a reportagem. Eis o Acúrsio a gritar-me: "Vai imediatamente para a Nazaré!" O pavor tomou-me nos braços. O tira-picos fora mandado sair do túnel e entrar em campo. Percebendo a minha comoção, o Acúrsio ensinou- -me: "Abres a reportagem com a primeira cena que te emocionar. E eu estou aos telefones!" O barco estava a meia dúzia de metros da praia. A praia era um mar de gente, de imprecações, de preces e de choros. Centenas de mulheres, embiocadas de negro, pareciam os coros das tragédias gregas. O barco não conseguia vencer a força do mar, e elas avançavam por ali adentro, puxando as sirgas, e dialogando com os pescadores. "Eh, Toino: aguenta-te homem do meu coração!" "Tás aí, Amélia?" O barco ia para trás e para a frente, o cansaço acumulava-se, o tempo ia varando o tempo, e elas, de negro, revezavam-se no puxar das sirgas. Até que conseguiram. Correram para o mar, agarraram-se às amuradas. Então, um deles avisou: "Eh, mulheres: cheguem-se para lá, que nós estamos como viemos ao mundo!" O poder das ondas arrancara-lhes a roupa dos corpos. Havia qualquer coisa de extraordinário naquele pudor, porventura absurdo, mas de uma grandiosidade tão humilde como sagrada. O episódio foi, depois, aproveitado em livro, por um escritor da época. Com os olhos cheios de lágrimas, telefonei para o jornal. Começava o texto com a frase do pescador. O Acúrsio gritava: "Mais! Diz mais coisas!" Relatava o que via. Eles crucificavam-se em lágrimas, eu não podia ter o coração oco. Faz agora anos. Por um Natal.

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MensagemAssunto: E, NO ENTANTO, É PRECISO SONHAR   Crónicas Icon_minitimeQui Jan 01, 2009 4:47 pm

E, NO ENTANTO, É PRECISO SONHAR

Baptista-Bastos
Escritor e jornalista - b.bastos@netcabo.pt

Olho lá para baixo e há muitas coisas, vozes, rostos e infâmias oblíquas que já foram. O tempo não mata as dores: adormece-as. Nada é para sempre. Chega-se ao fim do ano e os homens antigos e experimentados sabem que as lembranças adquirem uma simplicidade contrária ao ressentimento. Todavia, foi um áspero, infausto e rude ano, este, que vai embora.

Houve uma época em que, com alvoroço e arfante ansiedade, escrevi: "A esperança tem sempre razão." O sonho andava à solta e eu ainda não aprendera a natureza dos perigos contidos no sonho. Mas havia sempre alguém sorrindo para mim e um horizonte luminoso à nossa espera. Reconheço, com tristeza, que a frase era um pouco imprudente, embora, talvez, nos lavasse moderadamente a alma.

Chegamos a hoje e, num bulício de fé, repetimos os pedidos do ano passado, embalamos os desejos do último dia do último Dezembro, esquecidos de que a doçura e a clemência deixaram, há muito, de nos visitar. E, no entanto, é preciso não esquecer: este mundo seco, desabrido e falho de ternura, é o nosso chão, limitado pela geometria que traçámos, erguido pela greda com a qual o moldámos.

O português acalenta um tédio minucioso, acaso desatento e pueril, e evoca, no remate de cada ano, um mundo que lhe foi hostil, na vaga crença de que o novo será melhor. Nunca foi. Entre a mediocridade e a nostalgia de uma falaciosa idade de ouro vivemos nessa ilusão patética gravada numa frase sem sentido: saudades do futuro. E, no entanto, é preciso ter ilusões; sonhar, porque não sonhar?, que, entre as esperas e as ausências, temos de construir a instância do desejo.

O homem antigo e rodado que vos fala aprendeu que não existe limite de idade para o sonho, e que a volúpia de se estar preso a este mundo corresponde à nossa sede de eternidade. Se há lugar para a tristeza humana, também o há para a aspiração de felicidade que nos acalenta. Em qualquer idade procuramos um qualquer absoluto, uma ilusão fixada no eixo da nossa própria natureza, que tanto suporta a juventude como a velhice.

No final do ano que aí vem, 2009, as aspirações deste ano, que fecha, serão aspirações velhas, sendo, embora, as mesmas, com ligeiras variantes. Queremos hoje o que quisemos há 12 meses. Um pensamento horrivelmente banal, um pequeno sopro de nostalgia, um meneio cheio de silêncio - e, afinal, um módico favor da vida. O que vai desaparecer é outra forma de morte de nós próprios.

Olhamos lá para baixo e tudo parece perdido nas sombras e nos sossegos incautos de quem somente ambiciona esquecer, esquecer, esquecer, e dormir na paz sonhada de que o ano seguinte será melhor.

Porém, ninguém sai inteiro de cada ano que fecha.

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Romy

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MensagemAssunto: Acha que ainda tem condições para governar?   Crónicas Icon_minitimeDom Fev 01, 2009 7:25 pm

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O GRITO E A VOZ

Nuno Brederode Santos
Jurista - brederode@clix.pt

Acha que ainda tem condições para governar?", pergunta sempre quem mais se empenhou em destruir as condições para governar.

Como que a pedir um insuspeito atestado de desempenho. "Todo este alarido em torno do caso está a distrair a atenção dos portugueses para os reais problemas da crise e da governação" é a versão dominante entre os que fomentam o alarido sobre o caso, distraindo a atenção dos portugueses para os reais problemas da crise e da governação. Como que a explicar o plano B, que é o de, se "isto" não for a lufadas de escândalo, ao menos paralisa-se o Estado, na sua desesperada defesa da cidadela que os votos construíram. De caminho, também se vende melhor. Porque o mercado da pequena infâmia existe. Só que é atípico: o rancor não se vende porque o rancor se compre. Há é quem o compre desde que ele esteja à venda.

Claro que talvez isto não fosse possível se a condição do sistema judicial fosse outra. Como ainda agora a inauguração do Ano Judicial exuberantemente demonstrou, a máquina é prisioneira de guerras que ninguém tem já forças para vencer. Uns, passam as responsabilidades à falta de meios, tomam a autonomia (técnica) de que gozam pela independência que só a outros toca, reclamam das leis que lhes cabe cumprir e dão-se a prerrogativa de propor melhor legislação (nem sempre apenas qual, às vezes como). Outros, endossam a culpa também à falta de meios, reclamam melhorias da condição profissional (que não tem já equivalente, deixados que estão para trás diplomatas e militares), tomam o seu dever de independência pela sua (necessária) tradução em direitos puramente instrumentais e não raro roçam o propósito de legislar aquilo mesmo que só lhes cumpre aplicar. Outros ainda, fazendo das questões salariais o seu único objectivo, tecem políticas de alianças em que apoiam ou não as reivindicações dos demais, mesmo que elas os transcendam por completo - sob condição de serem por eles apoiados. Enfim, os que supostamente seriam os mais livres, resistem à mais pequena tentativa de os submeter a um regime comum e geral, alegando - como os representantes dos médicos, ou dos engenheiros ou dos farmacêuticos - a natureza superior do seu papel e a feliz (e quase mística) coincidência dele com os interesses colectivos: o que é bom para a General Motors é bom para os Estados Unidos. Todos eles, porém, convergem no método: procuram fazer valer os seus interesses pela via mediática. Houve tempos em que a careta era a amarga derrapagem de um sorriso. Isso acabou. Hoje, à vista de uma câmara, a careta refloresce no sorriso.

Voltemos à tese geral. Pese embora às convicções de quem neles votou, pode suceder que um dia se descubra e se comprove a corrupção de um Presidente, um primeiro-ministro ou qualquer alto mandatário. Já aconteceu a outros, não há dogma que disso nos isente. Mas a questão é: e a lei previu? Previu. Então aplique-se, de cada vez que quem de direito entender haver razões para tal. Ninguém tem mais interesse nisso do que os que mais enganados se sentirem, ou seja, os que tiverem dado a cara. Só que, para isso há regras, que a mesma lei acolheu. Não há que entrar em regime de excepção, no qual ninguém votou. Nem instaurar a gritaria e o código sumário de vigilantes que nunca ousaram sufragar-se como tal. Nem induzir a confusão entre denunciante, polícia, juiz e carrasco. Nem fazer da opinião mediatizada - que nem sequer é certo que chegue a pública - o tribunal plenário de um regime que quisemos democrático.

O contrário é fazer da "busca insana da verdade" o álibi malsão que legitima a irresponsabilidade. É agravar as aflições de um aparelho de investigação, até agora pouco convincente, a dar mostras de isenção, não para a resolução de um problema, mas para o suscitar de outros, tantos quantos os necessários a fazer "prova" pública dela. E é espalhar, em voz baixinha, pelas ruas e vielas da cidade - que desespera aos solavancos da crise - o rumor catastrofista que é o caldo de cultura donde emergem todas as aventuras autoritárias: se há magistrados ou juízes que não conseguem enfrentar os media, acabe-se com a sua não exercida independência e sujeitem-se à cadeia de um funcionalismo hierárquico rigoroso; se há jornalistas que mentem ou manipulam, instaure-se uma censura prévia que responsavelmente acautele o "interesse geral"; se chegam à rua opiniões maliciosas, troque-se a liberdade de opinião por um seu patriótico controlo; se há políticos eleitos que são corruptos, substituam-se por aqueles que gente sábia e séria designar; e se as instituições democráticas não forem capazes de comportar tudo disto, instaurem-se outras que o sejam.

Mal com a política por amor da economia, mal com a economia por amor da sociedade. Um dia, muito mais tarde, os historiadores discutirão quais, de entre nós, foram os culpados. |

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MensagemAssunto: O nascimento do Euro   Crónicas Icon_minitimeSeg Fev 02, 2009 4:42 pm

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O NASCIMENTO DO EURO

João César das Neves
Professor universitário
- naohaalmocosgratis@fcee.ucp.pt

O euro fez 10 dez anos no passado dia 1 de Janeiro. Com a crise financeira global a efeméride passou despercebida, mas merece celebração. Uma década de funcionamento mostrou o sucesso da maior e mais complexa experiência monetária da história do mundo. Um livro recente de um dos protagonistas marca a comemoração.

Otmar Issing foi o alemão no Conselho Executivo desde o nascimento do Banco Central Europeu até 2006. Isto bastava para lhe dar influência decisiva. Além disso, este ilustre académico, membro do Conselho do banco central alemão de 1990 a 1998, ocupou no BCE responsabilidades cruciais. Único elemento da equipa inicial que cumpriu o mandato de oito anos, dirigiu os pelouros da Economia e da Investigação, liderando a concepção estratégica da política monetária. Naturalmente caberia à Alemanha esse lugar, que Issing desempenhou de forma elegante e exemplar.

O volume The Birth of the Euro (Cambridge University Press, 2008) é um documento notável, acessível e profundo, pedagógico e provocador. Mais pequeno e focalizado, está ao nível das memórias de outra testemunha central da época, Alan Greenspan (The Age of Turbulence, Allen Lane, 2007; A Era da Turbulência, Presença). Na economia política actual, estas são duas das obras mais marcantes, pois o americano e o alemão presidiram, de lados opostos, a um período dourado da economia mundial. Ambos os textos foram escritos antes da presente crise, que os mesquinhos gostam de atribuir aos gigantes anteriores. Mas a sua obra perdurará.

Como o de Greenspan, o pequeno volume de Issing mostra disponibilidade para explicar os detalhes que interessam ao cidadão comum. Descrevendo a estrutura institucional, métodos de intervenção e dilemas políticos, dá ao leitor a sensação de se sentar no centro da decisão. Além disso, sem cair em formulações técnicas, traça com rigor as opções, hesitações e polémicas vividas naqueles momentos históricos. Nenhuma das terríveis controvérsias que perturbaram os anos iniciais do euro está ausente, com o banqueiro a responder-lhes de forma cândida, profunda e compreensível.

Apesar da sua atitude ser naturalmente científica, o autor não esconde que "a economia não pode fornecer uma resposta clara e conclusiva que liberte o banco central da necessidade de decidir por si mesmo (...) a actividade do banco central é uma 'arte'" (185). Como em Greenspan, fica claro o dramatismo dessa "arte".

O livro não foge a polémicas. Aludindo a Sarkozy afirma: "Os políticos que mais vociferam por um 'governo económico europeu' são os mesmos que esquecem a dimensão europeia assim que os seus interesses nacionais estão em causa" (203). Noutro local assegura que "o princípio da subsidiariedade em grande parte existe apenas no papel" (234). O funcionamento da União Europeia é avaliado de forma segura mas realista.

Podemos dizer que, sem o referir, Portugal constitui o exemplo por excelência das duas conclusões principais do livro. Primeiro, o balanço triunfante de dez anos de euro. O autor não se cansa de sublinhar o enorme sucesso conseguido, apesar da multidão de cépticos iniciais, que incluía referências como Milton Friedman (p. 50): "Com o estabelecimento do mercado único, a integração económica está em princípio completa (...) o sucesso do euro está acima de qualquer dúvida" (240), juízo aliás confirmado no tumulto da recente crise. Ora não há dúvida que a convergência realizada pelo nosso país nos anos 90 é a mais notável dos membros originais, pois ele era o que estava mais longe do objectivo.

Em segundo lugar o texto identifica "duas fontes de vulnerabilidade. Primeiro (...) as violações do Pacto de Estabilidade e o incumprimento das promessas de tornar os mercados mais flexíveis. Segundo, a 'orientação social' de muitos esforços para maior integração política que se desvia da busca de uma política monetária única" (241). Também aqui as nossas desorientação orçamental e rigidez laboral são bem o paradigma dos males que afligem a Europa nos alvoroços da crise financeira.

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MensagemAssunto: Crónica das palavras   Crónicas Icon_minitimeQua Fev 04, 2009 11:32 pm

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CRÓNICA DAS PALAVRAS

Baptista-Bastos
Escritor e jornalista - b.bastos@netcabo.pt

Há muito se perdeu a noção de que as palavras têm honra. Políticos servem- -se delas para mentir, ocultar, dissimular a verdade dos factos e as evidências da realidade. Mas também escritores e jornalistas as debilitam e as entregam às suas pessoais negligências. Não é, somente, uma questão de gramática e de estilo; mas é, também, uma questão de gramática e de estilo. Há escritores e jornalistas que o não são à força de o querer ser. A confusão instalou-se, com a cumplicidade leviana de uma crítica pedânea e de um noticiário predisposto a perdoar a mediocridade e a fraude.

As palavras possuem cores secretas, odores subtis, densidades ignoradas. O discurso político conduz-nos ao nojo da frase. Pessoalmente, tento limpar o reiterado registo da aldrabice e da ignorância com a releitura dos nossos clássicos. Recomendo o paliativo. Eis-me às voltas com as Viagens na Minha Terra. Garrett não era, propriamente, uma flor imaculada. Mas foi um mestre inigualável na arte da escrita. Lembro-o porque, a seguir, revisitei o terceiro volume de As Farpas, onde Ramalho reproduz uma conversa com Herculano. O historiador retratou assim o seu companheiro das lutas liberais: "Por cem ou 200 moedas, num dia de apuro, o Garrett seria capaz de todas as porcarias que quiserem, menos de pôr num papel, a troco de todo o ouro do mundo, uma linha mal escrita."

Desaprendeu-se (se é que, vez alguma, foi seriamente aprendido) o vocabulário da língua. Lê-se o por aí publicado e a pobreza lexical chega a ser confrangedora. Não se trata de simplicidade; antes, desconhecimento, incultura, ausência de estudo. "Foge de palavras velhas; mas não receies o uso de palavras antigas." Recomendava Garrett. Palavras velhas, travestidas de "modernidade", são, por exemplo: expectável, incontornável, enfatizar, implementar, recorrente, elencar, factível, plafonamento, exequível, checar, fracturante, imperdível, abrangente, atempadamente, alavancar, empolamento - e há mais.

Reconheço o meu verdete por certas palavras e expressões. Não é embirração de caturra, nem rabugice de um recta-pronúncia. Será o gosto da palavra, a alegria de com elas trabalhar há longuíssimos anos, a circunstância de ser um leitor com fôlego, o facto de ter tido professores como o gramático e linguista Emílio Menezes, goês paciente, sábio e afável; e de haver frequentado alguns dos maiores escritores do século passado, para os quais o acto de escrever representava moral em acção. Lembro, com emoção e orgulho, Aquilino, José Gomes Ferreira, Miguéis, Sena, Mário Dionísio, Carlos de Oliveira, Manuel da Fonseca, Abelaira.

Esta crónica foi, também, um pretexto para os lembrar.

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MensagemAssunto: Mas Joana Amaral Dias foi apagada de quê?   Crónicas Icon_minitimeDom Fev 15, 2009 4:30 pm

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MAS JOANA AMARAL DIAS FOI APAGADA DE QUÊ?

Ferreira Fernandes
Jornalista - ferreira.fernandes@dn.pt

No fim-de-semana passado, Joana Amaral Dias, que foi da direcção do Bloco de Esquerda, deixou de ser da direcção do Bloco de Esquerda. Pois passámos a semana com um escarcéu sobre o crime cometido contra Joana Amaral Dias. Alguns jornais (o Expresso, ontem, voltava à carga) e blogues desenterraram o exemplo de José Estaline, o líder da URSS, que até apagava das fotografias oficiais quem caía em desgraça.

Um dos problemas com as polémicas nacionais é rapidamente descambarem para o atrevimento dos ignorantes. Quem não sabe compara o que não sabe e porque não sabe ignora o ridículo das comparações absurdas. Estaline purgava as direcções do PC, prendia os antigos companheiros, torturava-os, levava-os a julgamentos fictícios e matava-os com um tiro na nuca nas caves da Tcheka e NKVD.

Nikolai Bukharine, com Lenine o maior teórico russo do comunismo, levado a tribunal por Estaline, em 1937, confessou-se autor de todos os crimes, foi condenado e fuzilado. Joana Amaral Dias, depois da convenção do BE, onde foi destituída, deu entrevistas e foi jantar. Leon Trotsky foi perseguido até ao México, morto com um picador gelo e apagado das fotografias do Kremlin. Joana Amaral Dias foi muito fotografada na tal convenção.

Neste caso, foi-se buscar Estaline porque os dois maiores partidos que fundaram o BE já cantaram loas, um, a UDP, a Estaline, e outro, o PSR, a Trotsky. À falta de se discutir essa união (talvez) contranatura, aproveita-se um qualquer pretexto para evocar o gosto pelo Photoshop (a arte de mudar as fotografias) dos revolucionários comunistas. Foi-se por aí, sem ninguém parar na pergunta primeira: mas Joana Amaral Dias foi apagada de quê? Um partido que já a tinha votado para a direcção desvotou-a. Mas não é esse o direito inalienável dos grupos (partidos ou jogadores de sueca), dizer quem querem para seu?

Com o apetite que as polémicas abrem, o Expresso conta que no vídeo oficial da história do BE Joana Amaral Dias foi semiapagada: só aparece três segundos. Mas, além da sugestão de que o BE é revolucionário envergonhado, em vez de apagar à estalinista (com frenesim e gatilho), deixa leves indícios das vítimas, que lições tirar desses só três segundos? Que Pasionária, que Longas Marchas, que brochura Que Fazer?, que gloriosos movimentos de massas organizados, que atestados alguém tem (e não só Joana Amaral Dias) para merecer mais de três segundos?

É, as polémicas em Portugal passam quase sempre ao lado. E, no entanto, quando se faz algum esforço, encontram-se motivos substantivos para debater. O organizador do vídeo do BE confessou ao Expresso: "Não havia imagens de Joana Amaral Dias. A única que existe está lá." Como confiar num partido que, tendo Joana Amaral Dias, lhe guarda três segundos de imagens?

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MensagemAssunto: Política com sotaque brasileiro   Crónicas Icon_minitimeDom Fev 15, 2009 4:52 pm

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POLÍTICA COM SOTAQUE BRASILEIRO

Rodrigo Tavares
Doutorado e investigador na Univ. da ONU. Consultor do Secretariado da ONU, Nova Iorque

Na maior parte dos casos, chamar um país de "irmão" revela paternalismo ou anacronismo. No caso do Brasil, chamado de "irmão" pela classe política portuguesa, revela ambos.

É irónico notar que Portugal tem tendência a fraternizar as relações políticas com as ex-colónias, quando, na prática, essa intimidade não é recíproca. No Brasil, por exemplo, a classe política não designa, geralmente, Portugal como "irmão". Aliás, Portugal raramente faz notícia na imprensa brasileira.

É certo que a língua aproxima as pessoas e facilita os negócios, mas é um facto que Portugal e o Brasil se estranham. E no terreno fecundo da ignorância brota o preconceito de parte a parte. O novo imigrante brasileiro é tão desconsiderado em Portugal como o velho emigrante português o é no Brasil. Ainda assim, é, de facto, verdade que durante os períodos autoritários nos respectivos países, as elites aproximaram- -se: Mário Soares privou, no Brasil, com Ulisses Guimarães ou Hélio Jaguaribe. Em Portugal, nos anos 80, Carlos Drummond de Andrade e Gilberto Freyre viram o seu trabalho premiado pela primeira vez. Mas esta geração reformou- -se e as que vieram depois não aproveitaram o seu legado: jovens portugueses podem conhecer as praias do Nordeste brasileiro, mas desconhecem o poema "Consolo na Praia" de Drummond de Andrade.

Consciente ou não do fosso, Portugal tenta vários mecanismos para amarrar o gigante sul-americano à sua esfera de influência. A fórmula mais insistente tem sido em salientar o mesmo património linguístico, aproveitando Portugal para realçar o seu papel de patrono da língua portuguesa. Mas esse é um caminho anacrónico: quando, depois das cimeiras, as mãos que batem nas costas regressam ao bolso, a classe política brasileira não reconhece a Portugal esse estatuto. O Museu da Língua Portuguesa é hoje em São Paulo (na foto) e não em Lisboa. O Acordo Ortográfico já entrou em vigor no Brasil e a imprensa local compara os avanços brasileiros à lentidão portuguesa na implementação da nova reforma. No campo do ensino, a Universidade Federal da Integração Luso- -Afro-Brasileira (Unilab), de forte vocação lusófona, será inaugurada na região nordestina do Ceará em 2010. Neste projecto, o Governo de Lula investirá 63 milhões de euros e, ao contrário do que se pensa, a universidade não tem ligações à CPLP [Comunidade dos Países de Língua Portuguesa]. Aliás, na última cimeira da CPLP que decorreu em Lisboa no ano passado, o correspondente em Portugal de um dos principais jornais brasileiros desabafou comigo que a imprensa brasileira iria ignorar o evento.

O que resta fazer a Portugal? O mesmo que faz o chopim (Moloth- rus bonariensis), uma ave comum no Brasil que se destaca por depositar os seus ovos nos ninhos de outros espécies, em vez de construir o seu próprio ninho. Também no final da II Guerra Mundial a Inglaterra rapidamente reconheceu, e aproveitou, a emergência galopante da sua ex-colónia americana. O Brasil é hoje uma potência mundial e Portugal tem tudo a ganhar em reconhecê-lo, de verdade. E não só enquanto dá uma palmadinha nas costas do seu "irmão".

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MensagemAssunto: Auto do Desempregado   Crónicas Icon_minitimeQua Fev 25, 2009 4:50 pm

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AUTO DO DESEMPREGADO

Baptista-Bastos
Escritor e jornalista - b.bastos@netcabo.pt

E agora, que vou fazer?

Ando vazio, a caminhar no interior de dias vazios. Há duas semanas. E ainda não reuni a força necessária para dizer à minha mulher que fui um dos 180 despedidos. Mas suspeito de que ela adivinha qualquer coisa. Não será, propriamente, a situação em si que lhe desperta a desconfiança; mas algo, um pressentimento obscuro, tenaz e desconfortável começa a invadi-la. Conheço-a muito bem. Passámos muitas coisas juntos. Era uma rapariga de grandes olhos luminosos num rosto alevantado que transpirava confiança e coragem. Quando estive gravemente doente manteve-se à minha beira, vigiando-me, tomando-me o pulso, observando a febre. "Nem te atrevas a deixar-me!", exclamou, certo fim de tarde, presumindo, pelo meu aspecto, que a doença se agravara. Fui agitado por estranho solavanco. Olhei-a e ela sorriu: "Eu sabia. Eu sabia que me não deixavas!" É um pouco grotesco, lembrar-me de estas coisas; mas são estas coisas humildes e modestas que formam a consistência das pessoas. Curioso!, há quanto tempo não lhe digo que a amo, há quanto tempo? Quantas vezes lho disse? Não dá muito jeito, reconheço; mas certamente lho disse, embora em português não soe bem; em inglês talvez sim. Talvez. Como fui parar a esta rua? Acontece-me agora isto. Ando por aí à toa, um impulso irresistível e secreto leva-me a caminhar pelas ruas da cidade onde outrora só raramente ia.

Deixa-me ver as horas. Este relógio foi- -me por ela oferecido, quando fiz 45 anos, há mês e meio. Nessa altura já havia rumores, no escritório, de que as coisas não caminhavam bem, gente a mais, encomendas a menos. Nada lhe disse. Apenas boatos; no entanto, começámos a olhar uns para os outros, aquele é mais velho, quantos anos tem ele de casa?, 30, ena, pá!, e de idade?, ena pá! Sou mais novo. Mas há mais novos do que eu. E se pintasse um pouco o cabelo? As brancas dão-me um aspecto mais pesado. Apesar de tudo, tenho fé. Mas manter a fé é difícil, tendo em conta o que por aí se vê. Tenho vergonha de vaguear pela cidade. Tenho vergonha de dizer em casa que fui despedido, "dispensado temporariamente", como me informou a menina da administração, examinando-me com a pesada compaixão de quem nada sabe sobre dor e sofrimento. Tenho vergonha de ser reconhecido por algum vizinho. Tenho vergonha de nada ter para fazer. Tenho vergonha de ainda não ter a coragem de revelar à minha mulher a situação em que me encontro. Tenho vergonha de admitir que não voltarei a arranjar trabalho. Tenho vergonha de ter de me inscrever no Desemprego. Tenho vergonha de ter desejado que fossem outros os nomeados para ir para a rua.

Tenho vergonha de ser quem sou. Tenho vergonha de ser velho. |

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MensagemAssunto: À catanada   Crónicas Icon_minitimeDom Mar 08, 2009 6:26 pm

À CATANADA

Nuno Brederode Santos
Jurista - brederode@clix.pt

O chefe do Estado-Maior-General das Forças Armadas da Guiné-Bissau, máxima expressão operacional do poder militar local, foi assassinado. Horas depois, o seu adversário político (!) e Presidente da República foi-o também. Na própria casa e à vista da mulher. A golpes de catana e tiros à queima-roupa. Raiava o dia e a cidade fechou-se nos medos dos seus habitantes: nos medos em que ninguém é solidário.

De manhã, porém, nada mais aconteceu. As autoridades que restam lamentam, com litúrgica e descoroçoante rapidez, o sucedido e logo anunciam a boa nova: não houve golpe de Estado. Em Portugal, pai conflituoso de pesados ontens que os realismos da vida - CPLP incluída - foram tentativamente reaproximando, responsáveis de todos os partidos proclamaram também, por entre alívios: não houve golpe de Estado.

No dia 10, Nino Vieira vai a soterrar, com os adereços do calculismo da sua República. Por isso, ninguém dirá que desce à campa o guerrilheiro que se foi tornando no telúrico e iracundo destruidor das melhores promessas do futuro dos sonhos de Amílcar Cabral. Entre muitos dos seus, como entre nós, leva as saudades com ele. Parece que o que agora importa é que a situação regresse à normalidade, e não repensar a normalidade da situação que regressa. Também ninguém quererá pôr a nu a evidência: se não houve golpe de Estado, não foi por falta de golpe, mas só por falta de Estado.

Praticamente desde sempre - um sempre reportado à independência - que a Guiné-Bissau emigrou da lógica e da prática institucionais que nós por cá partilhamos. E este sangrento episódio só confirma que, por lá, o mandato político é uma autorização de desempenho de uma gestão orientada para a satisfação das reivindicações dos militares. Por isso mesmo, o mandato não é o cruzeiro entre dois sufrágios. O mandato tem por limite, entre cada dois sufrágios, a duração da paciência dos militares. O resto é menor. A catana e a pistola suprem a vitalícia gratidão do povo aos que se arrogam méritos antigos de uma libertação que já poucos podem recordar. A fatia dos lucros que as rotas atlânticas da droga deixam nos seus entrepostos é magra, não dá para todos. Custa tudo em soberania, em desenvolvimento, em saúde e em bem- -estar. E só chega para dar condições de felicidade a uns quantos bravos mal fardados se entretanto eles se forem liquidando entre si.

Passaram mais de três décadas. Não há nostalgia ou remorso coloniais que razoavelmente nos envolvam nas actuais rotinas do sangue e da pobreza. Estivemos lá quando Portugal não vinculava os portugueses e saímos de lá logo que os portugueses passaram a vincular Portugal. Não somos grande potência, militar ou económica. Não somos vizinhos geográficos, como a Guiné ou o Senegal. Temos, é certo, pessoas e interesses a defender, mas isso temo-lo também no Brasil, na Venezuela ou em França. É, por isso, positiva a recolocação de um embaixador em Bissau. Mas há que pisar com cuidado o terreno bilateral, para que não nos sejam pedidas responsabilidades a que não poderemos corresponder. A boa consciência da comunidade internacional gosta de se servir do primeiro voluntário néscio, como alguns accionistas gostam de ter um otário por gestor. É certo que não nos está na natureza ver morrer na Guiné pessoas e liberdades, com a displicência snobe com que se inauguram as corridas de Ascott. É verdade que ainda nos atrapalham os ecos de um Benfica-Sporting em Bissau. Há muito de solidariedade e cooperação por fazer - e isso deve ser feito. No político, no económico, no cultural, no social. Mas deve sê-lo usando os instrumentos multilaterais, num delicado exercício de juízo sábio e mãos treinadas na microcirurgia. Sem protagonismos que permitam à comunidade internacional isentar-se ou aos candidatos a um mau protagonismo instalarem-se. Sem as paixões que cegam (e que sobreviveram aos tempos do "amor de mãe") e sem o cinismo de esquecer que temos cá muitos filhos de quantos por lá ficaram.

Até ver, parece ser esta a postura política do MNE e ser este o sentido da missão de João Gomes Cravinho, por via da actual presidência da CLP. Oxalá seja. Porque, se o não for, só encontraremos riscos e problemas. E porque, para além dessa fronteira, só há pasto para as saudades do império. Um investimento caro e sem retorno. Que deve ser pago por quem as tiver.

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MensagemAssunto: O teorema de A canção de Lisboa   Crónicas Icon_minitimeSeg Mar 23, 2009 11:33 pm

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O TEOREMA DE A CANÇÃO DE LISBOA'

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por João César das Neves09 Março 2009Comentar

Portugal está em crise.

Mas qual crise? Estamos em crise há dez anos e esta é nova. Para compreender isto temos de separar duas coisas diferentes. A nossa primeira doença é a obesidade. Esta é a crise antiga, que vem da década de 90 e nunca mais se resolve. Portugal está balofo. Comeu mais do que devia e tem problemas de coração, digestão e locomoção por excesso de peso. Perdeu competitividade, empolou o orçamento, divergiu da Europa. A dívida total do país ao exterior (posição de investimento internacional) era de 8% do produto nacional em 1996. Em 2008 atingiu os 100%, sendo metade dívida pública. Isto é viver acima das posses, comendo mais do que devia!

O problema já fez fugir dois primeiros-ministros, o terceiro não teve tempo de fugir e o actual ainda não se sabe se fugirá. A história é fácil de contar. Com o eng. Guterres, que entrou em 1995, o País comeu à farta e engordou à grande. Em 2001, com a dívida já nos 50% do PIB, ele foi ao médico, recebeu o diagnóstico e... fugiu para a ONU. Depois veio o dr. Barroso, que leu a dieta e comprou fruta, mas em 2004, com a dívida nos 65%, fugiu para a UE. O dr. Santana Lopes disse que "gordura é formosura" e puseram-no fora. Tão depressa que nem mudou os 65%. O eng. Sócrates prometeu jejum, fez lipoaspiração, mas continuou a comer. Chegou-se aos 100%.

O nosso principal problema é esta terrível obesidade. Ou melhor, era. Porque de repente aconteceu algo que trouxe novos sintomas. O que sucedeu foi uma coisa impossível: uma epidemia mundial de tuberculose infecciosa, uma doença que não se via desde anos 1930. De repente, a tísica tornou-se tão dominante que temos de comer muito para ganhar forças. Para um país como Portugal isto dá a confusão. Agora o cardiologista exige dieta enquanto o pneumologista aconselha refeições reforçadas para curar a fraqueza. Que podemos fazer?

A resposta política é evidente. A prioridade neste momento tem de ser o emprego e para isso devemos usar dois instrumentos principais: orçamento e salários. Na despesa pública é preciso gastar, mas com cuidado. Devemos ajudar desempregados, empresas e pobres e é preciso salvar empregos viáveis. Mas tudo isto com o mínimo de gastos, por causa da obesidade. Relativamente aos salários é preciso moderação para enfrentar a crise, recuperar competitividade e fazer partilha justa dos sacrifícios. O dr. Silva Lopes, em conferência recente, chegou a recomendar congelamento salarial.

Tudo isto é muito bonito mas completamente fictício. Porque a real prioridade política este ano não será o emprego mas as eleições. A questão obsessiva serão três sufrágios. Por isso a política , nos dois instrumentos referidos, será muito diferente. Na despesa pública o que se fará é gastar, gastar, gastar, principalmente no que der votos. Nos salários, nos salários... bem... eh... vamos casar os homossexuais e pode ser que isso nos distraia.

Quer dizer que estamos perdidos? Claro que não. Apenas significa que não podemos contar com os políticos, coisa que sabemos desde a primeira dinastia. Entretanto, a economia e a sociedade terão de ir fazendo o necessário. Nesse sentido, a tuberculose até cria condições favoráveis para combater a obesidade. O novo rating e as taxas de juro superiores da dívida nacional implicam que a dieta será feita, quer se queira, quer não. É verdade que vem na pior altura, porque agrava as dificuldades da crise conjuntural. Mas isso também é algo que sabemos desde sempre. Quando as coisas são fáceis, metemo-nos em sarilhos, e só pomos a casa em ordem quando não há alternativa.

Este é o "teorema d'A Canção de Lisboa", formulado brilhantemente no primeiro filme sonoro português de 1933 de José Cottinelli Telmo. O "Vasquinho da Anatomia" só começou a estudar quando perdeu a mesada das tias. Nessa altura, quando tudo parecia perdido, deu a volta por cima e, com fado e um copo de tinto, até aprendeu o esternocleidomastoideu. É assim Portugal. Este teorema, aplicado em 1383, 1640, 1755, 1851, 1917, 1977 e 1983, será renovado em 2009.

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MensagemAssunto: A legalização dos cães de guerra   Crónicas Icon_minitimeQui Abr 16, 2009 10:39 pm

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A legalização dos cães de guerra

por ADRIANO MOREIRA14 Abril 20091

Crónicas Adriano_moreira

O jornalista Norman Solomon cunhou a expressão War Made Easy para caracterizar as intervenções militares apoiadas na convicção da posse de uma superioridade técnica capaz de assegurar a vitória-relâmpago, com vítimas apenas do adversário. Outras modalidades de intervenção teriam em vista uma chamada paz rústica, que seria a procurada para a turbulência dos conflitos que envolveriam grupos étnicos, facções religiosas, lutas primárias pelo poder em teatros correspondentes aos Estados falhados, ou em vias de estruturação ou entregues à anarquia das lutas internas movimentadas por projectos exteriores de hegemonia.

Foi neste caldo que surgiram os cães de guerra, designadamente nos territórios tornados independentes sem respeito pelo tempo exigível para uma transição segura do estatuto colonial para a igualdade soberana na cena internacional. Homens que tinham a experiência de guerra que terminara na Europa, sem possibilidade de lhes assegurar uma qualidade de vida razoável, alugaram as capacidades profissionais de combatentes, decidindo-se pelo salário, nunca pela justiça das causas. A condenação moral e jurídica desta profissão de risco não teve resultados compensadores.

Todavia, a deriva para a privatização da acção militar parece ter levado a uma espécie de aristocratização da actividade, transformando em objecto social, avalizado pelo mercado, a variedade de intervenções, e por isso também as ofertas do mercenarismo inspirador. A mensagem destas sociedades tem relação com um facto que atinge todas as actividades públicas e privadas, cuja actividade seja tributária do avanço técnico e científico: a necessidade crescente de pouca gente, mas altamente qualificada, torna dispensável o antigo modelo do contingente, de serviço militar obrigatório, que abrigava muita gente sem qualificação exigente. E, também, a formação multidisciplinar dos quadros permanentes, e a sua concentração nas tarefas da tecnologia avançada, orientaram no sentido de contratar no exterior, com firmas especializadas, serviços sem os quais a máquina militar não funciona. O formalismo jurídico é observado, as obrigações de publicidade são cumpridas, o mecanismo bolsista está presente.

As empresas privadas distinguem-se em primeiro lugar pelo objecto social, e nesta área a escalada inclui empresas de aconselhamento e treino com assistência militar, de análise, de apoio logístico, de segurança a entidades privadas, de avaliação de riscos empresariais, de prevenção da criminalidade, e igualmente de combate, participando em operações militares de iniciativa estadual. A questão é que a teologia de mercado não assegura limitação dos objectivos económicos dessas empresas em relação ao Estado do domicílio social, não garante que o civismo impeça que o lucro seja o valor principal, a paz não é provavelmente a notícia mais desejada pelos gestores, a corrupção insinua-se eventualmente na metodologia, o controlo externo tende para a ineficácia, ou para a inexistência.

Distinguir a intervenção militar da função mercenária, porque as empresas são contratadas pelos Estados, é uma prova de confiança na imagem que não chega para impedir que os seus agentes no terreno não se distingam desses antigos agentes da paz rústica. Por outro lado, a lamentação de Eisenhower, quando no seu discurso do adeus referiu a circunstância em que viveu a presidência sem controlar o complexo militar-industrial, agravou-se com o crescimento e sofisticação da indústria do sector, com a proliferação das armas de destruição maciça, com a circulação comercial dos saberes e das técnicas, com o desafio às lealdades nacionais, com a mundialização do comércio das armas, com a corrupção eventual dos responsáveis políticos pelas decisões.

Segundo dados de 2008, no Iraque foram utilizados 160 000 operadores privados. O mercado tem apoio em lóbis como a International Peace Operations Assotiation. O mercado de armas ligeiras inquieta todas as instâncias que lidam com os desastres na área da geografia da fome. Os agentes dessas sociedades, mortos em combate, não são contabilizados pelas estatísticas.

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MensagemAssunto: O factor decisivo da liberdade   Crónicas Icon_minitimeSeg Abr 27, 2009 9:46 pm

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O factor decisivo da liberdade

por João César das NevesHoje

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Esta santa liberdade é aquilo de que mais precisamos na crise dos 35 anos da nossa democracia.

No dia seguinte à celebração dos 35 anos da democracia, estranhamente, levanta-se de novo das profundezas do passado a figura de D. Nuno Álvares Pereira. A ocasião é a sua canonização por Bento XVI.

Portugal está hoje em crise. Como estava aquando da sua beatificação por Bento XV a 23 de Janeiro de 1918. Como esteve durante grande parte da vida do Santo Condestável. No meio dos problemas, D. Nuno sempre pareceu demasiado perfeito, acima deste mundo. Vemo-lo saído de um romance de cavalaria, esculpido em mármore, feito em banda desenhada.

Mas ele nunca foi uma personagem de fantasia. Vê-se isso pela sua longevidade. Galaaz, como James Dean, gastam--se depressa, mas D. Nuno viveu quase 71 anos, de 24 de Junho de 1360 a 1 de Abril de 1431. Vê-se pelo pragmatismo. Militar genial e político astuto, os inimigos tinham-lhe uma alcunha: "Nuno madruga"(Anónimo Crónica do Condestável, CC, cap. 66), atacando sempre antes dos outros acordarem.

Vê-se ainda pelo realismo. "Quando os seus homens saíam de Elvas o alferes que levava a bandeira, não reparando na altura das portas, partiu sem querer o estandarte do seu senhor, o que foi entendido por muitos como um mau presságio. Disseram então a Nuno Álvares que o melhor seria adiarem aquela ida a Vila Viçosa, mas o valoroso cavaleiro não deu ouvidos às superstições e limitou-se a substituir a haste da bandeira. Seguindo tranquilamente o seu caminho" (CC 38).

O traço de carácter que mais o define é a liberdade. A liberdade de Portugal face a Castela foi o tema central da sua acção. Mas também a liberdade face às riquezas e às honras, que distribuiu em vida e abandonou no convento.
Liberdade perante o perigo: em Valverde "como era seu costume em momentos de aflição, o Condestável ajoelhou-se a rezar. As setas e as pedras do exército castelhano não deixaram de chover, pondo em grande perigo a sua vida e a de todos os seus soldados. (...) Perante tanta agitação o Condestável mantinha o maior sossego do mundo e continuava o seu louvor a Deus. Quando acabou de rezar levantou-se com grande vigor e ordenou a Diogo Gil, seu alferes que andasse com as tropas da vanguarda" (CC 54).

Liberdade perante a intriga: "Em segredo, diziam mal dele e combinaram que, por mais acertadas que fossem as suas opiniões, iriam contra elas, intenção que foi descoberta por Nuno Álvares. Um dia, falando o Mestre perante o seu conselho, colocando-lhes uma importante questão, respondeu Nuno Álvares como lhe pareceu ser melhor serviço de Deus e do Mestre. É claro que todos os outros membros discordaram dele, o que fez com que Nuno Álvares começasse a rir, porque sabia o motivo pelo qual contra--argumentavam" (CC 20).
Liberdade até perante as inimizades: "Não bastava dar esmolas no reino de Portugal, ainda, um ano em que Castela esteve com muita falta de pão, vieram à comarca de Entre Tejo e Guadiana cerca de quatrocentos castelhanos, entre homens, mulheres e moços pequenos, os quais lhe disseram que padeciam de fome. (...) Ordenou que lhes fosse entregue, cada mês, quatro alqueires de trigo, o que foi feito durante quatro meses, até que os castelhanos seguiram para as suas terras" (CC 80).

Assim a sua santidade foi reconhecida até pelos inimigos: "Pernoitando num sobreiral, onde foram ter dez escudeiros castelhanos, que pareciam ser homens de bem. D. Nuno recebeu-os perguntando-lhes quem eram, ao que eles responderam que eram naturais do Reino de Castela. Tal afirmação não surpreendeu o Condestável, que lhes disse que os considerava homens muito ousados para irem ter com ele sem salvo-conduto. Os escudeiros justificaram tal ousadia pela vontade que tinham de o conhecer pessoalmente, constando a sua grande bondade e as virtudes que Deus lhe concedera. Perante tal resposta o Condestável convidou-os para jantar, mas eles declinaram uma vez que já tinham realizado o seu desejo" (CC 66).

S. Nuno de Santa Maria foi sempre um homem radicalmente livre. Esta santa liberdade é aquilo que mais precisamos na crise dos 35 anos da nossa democracia.

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MensagemAssunto: Um país (católico) não se mede aos santos   Crónicas Icon_minitimeSeg Abr 27, 2009 10:00 pm

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Um país (católico) não se mede aos santos

por Leonídio Paulo Ferreira
Hoje

Crónicas Leonidio_paulo_ferreira

Não duvido que João Paulo II tivesse estima pelo mui católico Portugal, que visitou cinco vezes.

Mas não percebo como é possível que o Papa que criou mais santos em dois mil anos de cristandade não tivesse encontrado nenhum português para canonizar. Nos seus 26 anos de pontificado, foram 482 (!) os novos santos, com destaque para italianos e espanhóis, mas na extensa lista que pode ser consultada no site do Vaticano surgem mexicanos, como Juan Diego Cuauhtlatoatzin, polacos, como a rainha Cunegonda, ou coreanos, como Andrea Kim Taegon. De portugueses é que nem sinal (os beatos Jacinta e Francisco aqui não contam). Uma pesquisa um pouco mais aprofundada revela, porém, que a falta de santos portugueses não pode ser atribuída ao Papa da Polónia. Afinal, mesmo que Paulo VI tenha reconhecido em 1976 Beatriz da Silva, uma religiosa do século XV, o número total de santos portugueses não atinge a dezena, incluindo já D. Nuno Álvares Pereira, que Bento VI decidiu canonizar. São estatísticas discutíveis, pois tanto incluem uma espanhola, a Rainha Santa Isabel, mulher de D. Dinis, como excluem São Gonçalo Garcia, nascido na Índia de pais portugueses. E resta uma dezena de outros santos anteriores a 1143.

Quantidade não quer dizer qualidade e Portugal pode reclamar com orgulho Santo António que é dos santos mais populares. Contudo, o mistério dos escassos santos mantém-se. Nenhum país fez tanto pela expansão do catolicismo. Provas? O mais populoso dos países católicos fala português (Brasil), o primeiro monarca católico a sul do Equador falava português (Angola no século XVI), a nação hoje mais fervorosamente crente na Ásia fala português (Timor). Mas há mais: os portugueses levaram o catolicismo ao Japão, deram à Índia 30 milhões de cristãos com nomes como Fernandes ou Souza e deixaram em Macau a fachada da Catedral de São Paulo. O Vaticano melhor do que ninguém sabe disso e não é por acaso que o título de Patriarca apenas é atribuído aos arcebispos de Jerusalém, Veneza, Lisboa e... Goa (o actual Patriarca das Índias Orientais chama-se Filipe Neri Ferrão e nasceu português).

Através de Álvares Pereira, valha o que valer uma canonização, Bento XVI presta homenagem a uma velha nação, aliada do papado desde a fundação como país, mas pouco dada a milagres (exigidos para fazer um santo). E não são erros como o recente Alvarez à espanhola, gaffe do Vaticano, que vão manchar o gesto, mesmo que os católicos portugueses façam bem em defender os seus santos - basta lembrar o assalto dos italianos a Santo António de Lisboa, que insistem em dizer que é de Pádua. Bem mais importante é a revelação sobre documentos secretos que dão conta do projecto do Vaticano de se mudar para Portugal e eleger outro Papa se Hitler sequestrasse Pio XII.

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MensagemAssunto: A rapariga que arrumou com o Ahmadinejad   Crónicas Icon_minitimeDom Jun 14, 2009 4:01 pm

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A rapariga que arrumou com o Ahmadinejad

por Ferreira Fernandes
Hoje

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O mais radical e revolucionário dos programas mobiliza as iranianas: soltar os cabelos

Nos anos 90, a Argélia agonizava de medo dos fanáticos. Em Blida, vi pais a reconhecer os corpos das filhas que haviam sido raptadas e decapitadas por jovens barbudos piedosos. Estes, antes de as violarem, casavam-se com elas para, eles, não cometerem pecado. Dessa década e desse país - estive lá por três vezes - assisti também a gestos de coragem. Falo da mais difícil, da quotidiana. Daquela que, por exemplo, alia o rasar as paredes ao regressar a casa e, todos os dias, assinar uma crónica de liberdade num jornal. Esse "bilhetista" que conheci em Argel, viria a ser morto e dele aprendi que nenhum repórter enviado às guerras longínquas pode pretender ser corajoso comparado com os locais que vivem, cada dia, a opressão.

Mas foi um gesto gracioso o que mais esperança me deu pela Argélia. Num restaurante de Argel que eu frequentava, reparei que a empregada, ao passar pelo grande espelho da sala, olhava os seus cabelos soltos, abanava a crina e gostava decididamente do que via. Desde esse dia, desde essa minha visão, eu soube que a Argélia, mesmo que um dia caísse sob o jugo dos barbudos, haveria de se libertar. Graças à rapariga dos cabelos longos.

Voltei a vê-la, ontem. Por um qualquer milagre - dos únicos em que acredito, porque têm os frágeis homens e mulheres por protagonistas -, a rapariga do restaurante de Argel estava no Irão. Ontem, foi capa do DN e do Público, e também de vários jornais europeus. Os óculos escuros, de marca, cortavam-lhe infelizmente o grande e belo nariz, mas lá estava a cara divina (desse único divino, tenho de o dizer?, de que sou devoto), sobrancelhas graciosas, boca polposa e carmesim, queixo firme. E, sobretudo, madeixas rebeldes de cabelos castanhos aos quais um lenço roxo e floreado não recatava mas expunha todo o esplendor feminino.

A rapariga de Argel agora iraniana mostrava as suas mãos como testemunho. A esquerda abria a cédula de identidade, onde se via a foto de um pequeno corvo submetido - ela própria, com o hidjab escondendo o que não devia. Mas a sua mão direita erguia o indicador, como o gesto de Adão, no fresco da Capela Sistina, à procura do sopro da vida. Ela acabara de votar e o dedo estava marcado do roxo que tão bem ia com a cor do lenço - a graciosidade, como vos tenho dito nesta crónica, é libertadora. Aquela foto - de facto, aquelas fotos, os benditos enviados das agências Reuters e AFP esmeraram-se com a rapariga, ter-lhes-á acontecido a mesma epifania que a mim no restaurante de Argel - aquelas fotos anunciaram os resultados definitivos, irrevogáveis e inevitáveis das eleições do Irão.

O pobre diabo, feio e baço do Mahmoud Ahmadinejad ousou dizer que foi ele que ganhou. Mas pelas últimas notícias oiço que faz sol nas ruas de Teerão, iluminando a verdade. A rapariga ganhou.

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MensagemAssunto: Problemas de que não se fala   Crónicas Icon_minitimeSeg Jun 29, 2009 10:04 pm

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Problemas de que não se fala

por João César das Neves
Hoje

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Ainda não é conhecida a estratégia argumentativa dos partidos para as eleições, mas uma coisa é certa: não passará pelos verdadeiros problemas nacionais. Apesar disso, talvez valha a pena descrever brevemente essas questões de fundo de que não se falará estes meses.

O nosso principal problema é a decadência populacional. Portugal está em vias de extinção: em 2007 já nasceram menos pessoas do que morreram. A nossa taxa de fertilidade, que desde 1983 é inferior à de reposição das gerações e desde 2002 à média europeia, atingiu agora um dos valores mais baixos do mundo (1,3 filhos por mulher), só comparável ao Japão. Ao contrário do Japão, por cá uma percentagem crescente dos nascimentos vem de famílias imigrantes. As consequências que a degradação da família terá no equilíbrio social, desenvolvimento económico, estabilidade cultural e futuro nacional são incalculáveis. Os outros países europeus, com problemas menores que o nosso, têm há anos políticas consistentes e sustentadas de apoio à família e fertilidade. Por cá, o Governo, não só ignora o assunto, mas subsidia abortos, facilita divórcios, promove homossexualidade.

O segundo problema estrutural português é a adaptação ao aumento da esperança de vida. Vive-se cada vez mais e o número de centenários cresce todos os anos. Isso é excelente, porque a longevidade vem com melhores condições de vida e saúde. Mas a sociedade nada oferece aos idosos, senão uma vida de ociosidade e irrelevância. A atitude face à velhice é a mesma de há 100 anos. Portugal não pode tratar uma percentagem crescente da sua população, a mais experiente e sabedora, como se estivesse "fora de prazo". Além do monstruoso desperdício, surgem enormes efeitos sociais, humanos e pessoais dessa desqualificação. Aqui, embora por razões estritamente financeiras, o Governo deu passos tímidos no bom sentido com a reforma da segurança social.

Estes dois primeiros problemas estão totalmente fora do debate político nacional. Nada podia ser mais estranho aos programas, discursos e tácticas eleitorais. Sobre os dois seguintes há algumas referências nos campos partidários, embora confusas e enviezadas.

O terceiro aspecto estrutural é a atitude face ao progresso. A globalização muda a especialização e distribuição mundial do valor. As novas oportunidades encontram--se reagindo aos sinais dos mercados, não ouvindo a retórica política. Portugal não tem de defender a agricultura, não precisa de garantir o futuro industrial, não ganha nada com a tradição do mar. Não interessa o sector, interessa a atitude. As nossas empresas têm apenas de ser produtivas, rentáveis e dinâmicas, onde quer que seja. Foi assim que nasceram a nossa agricultura, indústria e marinha. Assim prosperarão.

Mas os cidadãos portugueses adoptaram os níveis de consumo e exigência europeus sem aceitarem os níveis de produtividade e as exigências europeias. Todos sabem exigir mas não cumprir o que se lhe exige. Daí o endividamento crescente, desequilíbrio orçamental, desânimo social, decadência política. A Europa deixou de ser um desafio para ser argumento de benesses. Serve como modelo de direitos, nunca de deveres. A consequência é a crise que nos assola há 15 anos, precisamente desde que mudámos a atitude. Se todos pensam que a Europa garante o nível de vida e pedem ao Estado o que só o trabalho, iniciativa e reestruturação das empresas podem dar, não admira a crise.

O último problema de fundo vem directamente da atitude política face aos problemas de fundo. Temos um Estado que ignora a linha estratégica do País e os grandes problemas nacionais. Não sabe o que quer no futuro nem como lá se chega, mas ocupa-se com embalagens de iogurtes, fumo nos edifícios, cadeirinhas nos automóveis e educação sexual. Os governantes tratam do que nos compete, sem fazerem o que lhes compete. Vivemos num equilibrismo mediático e em escaramuças pontuais, esquecendo os desígnios básicos. Assim, o debate eleitoral só pode passar ao lado dos grandes problemas nacionais.

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MensagemAssunto: «Uma unidose, por favor»   Crónicas Icon_minitimeDom Jul 05, 2009 9:40 am

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«Uma unidose, por favor»

Infelizmente, sofro duma «doença crónica» (cardíaca, por causa dois enfartes do miocárdio), pelo que tomo, diária e rigorosamente, um conjunto (seis por dia) de medicamentos, desde há treze anos. Sou, assim, um bom cliente das farmácias e da indústria farmacêutica. Tenho também o “direito” de ter outro tipo de doenças, felizmente de menor gravidade, sendo-me, nessa situações, prescritos uma outra panóplia de medicamentos.

Frequentemente, as quantidades “aviadas” na farmácia excedem largamente as quantidades de toma recomendadas pelo médico, pelo que os desperdícios acabam por ser grandes, ao contrário dos medicamentos das “doenças crónicas”, pois nesses não há desperdícios, dada a regularidade e a continuidade da toma pelo doente e “cliente” da farmácia. Acabo, assim, por acumular o “lixo” que acabarei por “devolver” à farmácia, não para esta me “ressarcir” com o excesso do dinheiro gasto, mas para que sejam encaminhados para a “reciclagem”, pois deitar medicamentos no lixo ou no campo pode ser perigoso para o ambiente ou para a saúde pública.

O “lixo” acaba assim por ser o destino daqueles medicamentos que foram adquiridos (porque prescritos pela autoridade nesta matéria que é o médico) em quantidades excessivas, por não haver, geralmente, embalagens mais pequenas e mais apropriadas a tratamentos menos graves ou de menor duração.
Se este desperdício individual nos “dói” (seja por questões de dinheiro ou outro tipo de consciência e a muitos “doerá” ainda mais) imagine-se este desperdício multiplicado por uns milhões de pacientes portugueses e, em muitas situações, algumas vezes por ano!

O custo deste desperdício é suportado, em partes significativas, pelo Estado (a final, por todos nós que pagamos os impostos), porque alem desses medicamentos serem, na maioria deles, comparticipados pelo sistema nacional de saúde, em percentagens variáreis, parte da despesa suportada pelo doente ainda é “recuperado” através das deduções no IRS ou também através do IRC, se esta parte remanescente da despesa paga pelo doente for ainda coberta por um seguro de saúde que este tenha subscrito. Assim sendo e porque é o Estado a suportar a “fatia de leão” da despesa dos medicamentos prescritos, custa a entender que os sucessivos governos tenham adiado, por tanto tempo, a decisão de legislar no sentido dos medicamentos poderem ser vendidos em unidades recomendadas para os tratamentos médicos (..numa quantidade de medicamento adequada à necessidade terapêutica de determinado indivíduo..” e não e sempre em embalagens “standard” em muitas situações com excesso de unidades.

Só agora, com a publicação da Portaria 697 de 2009 de 1 de Julho, o Governo vem regulamentar “... a dispensa de medicamentos ao público, em quantidade individualizada, nas farmácias de oficina ou de dispensa de medicamentos ao público instaladas nos hospitais do Serviço Nacional de Saúde.” Reconhece, assim e esse é um dos objectivos que a “ medida visa evitar o desperdício e permitir uma maior poupança.”
Por enquanto a medida ainda não abrange todo o território nacional, pois, “….na primeira fase de implementação, a dispensa de medicamentos em quantidade individualizada será efectuada nas farmácias da região de saúde de Lisboa e Vale do Tejo, que manifestem vontade de aderir a esta forma de dispensa de medicamentos...”

Obviamente que os agentes da produção e da venda dos medicamentos já vieram manifestar o seu “descontentamento” e afirmando mesmo a associação patronal e cito: “não existe qualquer estudo de avaliação de impacte que comprove a validade dos sistema”. Pergunte-se a qualquer cidadão se nunca deitou medicamentos fora, daqueles que lhe foram prescritos em excesso, para refutar esta “falta” de estudo. É tão óbvia a resposta!

É claro que esta medida vai “mexer” com os interesses dos “beneficiários” do desperdício que, seguramente, não são os doentes, já de si penalizados pelo sofrimento e com o desperdício e que depois ainda pagam mais com os seus impostos, porque é o Estado que os “suporta”. Embora a portaria diga que “....o preço máximo unitário de cada medicamento sujeito a receita médica dispensado em quantidade individualizada é igual ao preço unitário do mesmo medicamento, obtido através da divisão do preço da embalagem maior...”, é óbvio que não poderá ser assim tão simplista, pois, em economia, todos sabemos que menores quantidades tornam o custo da unidade mais cara. De qualquer modo, a poupança vai ocorrer, porque diminuir-se-ão os desperdícios nesta sensível matéria, os medicamentos. Já nos bastam os desperdícios de (tantos) bens supérfluos, pelo que este “doía” mais ainda.
Embora ainda só nas farmácias da região de Lisboa, já poderemos pedir;

“Dê-me uma “unidose” de Aspirina, por favor”.

Serafim Marques
Economista



Serafim Marques, 2009-07-05
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MensagemAssunto: Três dentes por boca   Crónicas Icon_minitimeQua Ago 19, 2009 10:46 pm

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Três dentes por boca

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por Alberto Gonçalves02 Agosto 20095 comentários

Basta passar os olhos por colunas de opinião, comentários televisivos e principalmente blogues para concluir que muitos dos admiradores mais destacados do eng. Sócrates agitam como danados o cliché da direita "trauliteira", "populista" e "anti-intelectual".

Traduzindo em miúdos, a vitória do PSD nas "legislativas" seria a vitória da boçalidade rústica e "fasciszóide"; a manutenção do actual Governo será a defesa da cultura, da urbanidade, da tolerância, da solidariedade, da tecnologia e de maravilhas afins.

Tendo a concordar. Por regra, a direita nacional é gente em estado semi-selvagem, vítimas da consanguinidade que, na presença de tudo o que é progresso, só não puxam da pistola porque não a saberiam utilizar. Possuem, em média, três dentes por boca e um livro por casa, utilizado para segurar a porta da marquise. O consumo da imprensa resume-se ao Dica da Semana (para acompanhamento do preço do óleo vegetal). Quando não urram, arrotam imenso.

Compare-se agora com as sumidades que saltitam em público em prol do PS. Não há comparação possível. De um lado, brutos; do outro, senhoras e cavalheiros educadíssimos. Não sei se tocam piano, se falam francês e, a julgar pelo que escrevem, suspeito que nem sempre são exímios no português. Nos critérios contemporâneos da sofisticação, porém, ninguém os bate: não largam o Twitter, não subscrevem menos de 17 petições diárias e não saem de casa sem uma "causa" pela trela, seja a feminista, a homossexual ou a da eutanásia (depois da legalização, o aborto perdeu charme).

Pessoalmente, encontro-me num dilema. Enquanto um certo instinto animal me puxa o pé para o chinelo da direita, a ambição de me tornar um ser humano melhor arrasta-me o segundo pé para o sapatinho Church's da esquerda moderna e esclarecida. À cautela, já me inscrevi no Facebook e assinei cinco ou seis manifestos a apoiar o avanço de Portugal. Só me falta ver no eng. Sócrates as portentosas virtudes civilizacionais que os discípulos desse profeta, por definição, lhe atribuem. Mas estou quase, quase lá.

Não tenciono escrever sobre o debate dos candidatos à câmara lisboeta, que não vi e de que não ouvi dizer grande coisa. Apenas notei os transportes utilizados pelos drs. Costa e Lopes na ida aos estúdios da SIC. Um foi de Smart; o outro, a pé (desde onde?). Já na campanha anterior, Helena Roseta evidenciou-se por se deslocar em cima de uma bicicleta (e não se evidenciou por mais nada). O que se passa com a capital?

Em vésperas de eleições, a cidade é tomada de assalto por políticos em veículos bizarros ou em veículo nenhum. Presumo que os candidatos dos partidos menores andem pela Baixa em monociclos, carroças ou jumentos. O objectivo, volto a presumir, é mostrar aos munícipes vocação "ecológica". O resultado é tratar os munícipes abaixo de tontinhos.

O lisboeta médio sabe que, sob as promessas de esventrar Lisboa com "ciclovias", "passadiços", vias "pedonais" e afins, na vida real os que ocupam ou pretendem ocupar a autarquia recorrem a automóveis decentes, aliás a alternativa preferencial de toda a gente, logo que a alcance. O lisboeta médio saberá igualmente que atenuar alguns dos problemas que o transporte particular suscita não é o mesmo que o trocar por meios de locomoção medievais ou pela imposição dos agradáveis e eficazes transportes públicos.

Quando António Costa diz (li nos jornais) querer uma cidade governada "pelas pessoas e para as pessoas" e não "pelos carros e para os carros", convinha que um assessor lhe explicasse que os automóveis raramente têm vida própria: na maioria dos casos, são precisamente as pessoas que os conduzem, numa manifestação da doença social que continua a inquietar tantos dos nossos políticos: a autonomia, palavra aqui duplamente pertinente.

Se nem os assessores perceberem isto, o dr. Costa que se mire no exemplo de Rui Rio, que, em vez de fechar o Porto ao trânsito, abriu-o despudoradamente a carros, aeronaves e qualquer geringonça com um motor potente e a capacidade de se mover a centenas de quilómetros por hora. O facto de eu não apreciar o pandemónio das sazonais corridinhas não impede que milhares de cidadãos o apreciem e, também um bocadinho por isso, se preparem para reeleger o dr. Rio a larga distância da adversária. Ignoro se, em nome do ambiente, a dra. Elisa Ferreira fará campanha em patins, mas decerto regressará a Bruxelas de avião.

Pobre Leonard Cohen. Depois de roubado pela contabilista, que o aliviou das poupanças e forçou a uma interminável e provavelmente indesejável tournée na velhice, agora atura a fúria dos militantes "palestinianos" e respectivos simpatizantes, os quais, talvez por malformação genética, andam sempre furiosos.

Deixem-me explicar. A recente série de espectáculos de Cohen, que esteve em Lisboa há um ano (vi) e retornou esta semana (não vi), possuía dois concertos marcados para o Médio Oriente, em Setembro próximo: um em Telavive, Israel, o outro em Ramallah, Cisjordânia. O ecumenismo foi excessivo, pelo que diversos "grupos de pressão" indígenas fizeram o concerto de Ramallah depender do cancelamento do concerto em Telavive: ou Cohen desmarcava este ou não haveria aquele, o que, para um judeu devoto, é o equivalente a pedir a Obama que discurse sem teleponto. Cohen, naturalmente, reafirmou o desejo de actuar em Israel, a que acrescentou o propósito de doar a bilheteira a uma instituição beneficente local e de alcance "misto". Em consequência, a actuação na Cisjordânia ficou sem efeito, para o que contribuíram as típicas ameaças de morte de organizações "palestinianas" aos "palestinianos" promotores do evento.

Fim da história? Pelo contrário. O problema mantém-se: cantar em Israel é o reconhecimento implícito do direito de Israel a existir. E é justamente isso que a efervescência "palestiniana" não tolera. Assim, prosseguem os protestos, entretanto alargados a diversas cidades e recintos da digressão de Cohen. Lisboa, ao que li, também contou com os gritinhos dos idiotas inúteis que ecoam, na Europa e nos EUA, as dores da Fatah e do Hamas. Trata-se, claro, de gente amargurada por viver em países onde o terrorismo dá cadeia, e que a título catártico defende enclaves onde o terrorismo dá medalhas. É com eles. Por azar, passou a ser igualmente com Cohen, sujeito talentoso e estimável que, aos 74 anos, dispensaria bem contabilistas burlões e psicopatas mais ou menos platónicos.

Enquanto o programa do PSD é um mistério por omissão, o do PS intriga pelo exibicionismo. Há dias, o ministro Santos Silva acusou Manuela Ferreira Leite de querer "passar um cheque em branco aos portugueses", uma metáfora que parece ter saído ao contrário mas da qual, em qualquer dos sentidos, o PS não pode ser acusado. O PS farta-se de passar aos portugueses cheques com valores específicos.

Até ver, contas muito por alto, o eng. Sócrates lançou, criou, promoveu, prometeu ou anunciou: cinco mil euros para quem comprar um carro eléctrico; cheque-dentista a todas as crianças entre os 4 e os 16 anos; conta de 200 euros por cada bebé nascido; linhas de crédito às pequenas e médias empresas no valor de 3,75 mil milhões; "fundo estratégico" de 250 milhões para apoiar as PME no exterior; 1500 jovens qualificados anualmente em PME exportadoras; 125 mil vagas para alunos do ensino profissional; aquisição de metade da participação do BPI numa seguradora; 130 milhões para o estímulo à "requalificação urbana"; reforço de 115 milhões na construção de equipamentos sociais; linha de crédito de 50 milhões na área "social"; 1500 empregos nas fábricas da Embraer em Évora; linha de crédito para adiamento das prestações da habitação aos desempregados; novo subsídio combate à pobreza; aumento do salário mínimo; alargamento das Novas Oportunidades; triplicação do abono de família; milhões no TGV; milhões no aeroporto; milhões em obras públicas, "investimento" público e geral; milhões em energias renováveis; milhões na "inclusão social"; milhões na Internet; etc., um longo etc.

Trata-se de meros exemplos, retirados às intervenções recentes do eng. Sócrates e ao programa eleitoral do PS. Entre meias verdades, patranhas, boas intenções, irrelevâncias e puros delírios, a lista não tem fim. As palavras-chave do lendário programa, documento bizarro no conteúdo e analfabeto na redacção, são o substantivo "apoio" e o verbo "apoiar", os quais se repetem literalmente por centenas de vezes e exibem o fatal paternalismo: o Governo apoia, faz, decide, executa; cá em baixo, o bom povo contempla as oferendas.

Uma hipótese é contemplá-las com gratidão. Outra é perceber que, bem espremido, o extraordinário caldo de "medidas" prossegue e aprofunda a "governação responsável, reformista e com consciência social" que contribuiu, e de que maneira, para a desesperançada penúria a que chegamos. A única consequência prática das alucinações acima será o assalto ainda mais descarado à classe "alta" e "média alta", jargão socialista para os infelizes que ganham remediadamente e pagam em abundância os vícios do Estado e a manha de um Governo que dispensa qualificativos.

Não há dúvida de que o PS tem realmente um programa. O problema é esse.

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Razz
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MensagemAssunto: Simples normas de conduta   Crónicas Icon_minitimeSáb Out 03, 2009 3:42 pm

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Simples normas de conduta

por J.-M. Nobre Correi
Hoje

Crónicas Jose_manuel_nobre_correia

A Presidência da República não é uma instituição qualquer.

Teoricamente, representa a comunidade nacional, situa-se acima das contendas normais no seio da sociedade e é garante da neutralidade do Estado perante os cidadãos. Pelo que não pode ser comparada a qualquer instituição ou empresa privada. Muito menos a qualquer partido político ou grupo de pressão.

Pelo que, é a evidência mesmo, uma assessoria "para a comunicação social" não pode nortear-se pelos critérios da maioria das congéneres. É verdade que as direcções da comunicação pretendem querer facilitar a recolha de informação e o acesso às fontes da informação pelos jornalistas. A realidade é que têm por função filtrar a informação, canalizá--la para temas mais conformes aos interesses da instituição ou da empresa, instrumentalizá-la a fim de melhorar a imagem de marca da instituição, da empresa, dos seus serviços, dos seus produtos ou dos seus dirigentes.

É pois normal que as direcções da comunicação (chamem-se elas assessorias de imprensa, serviços do porta-voz ou outra coisa) solicitem regularmente os jornalistas. Procurando pôr em valor as iniciativas de quem as paga. Tentando insinuar ou mesmo demonstrar que as coisas não vão lá muito bem, antes pelo contrário, com a concorrência. E até destilando confusão e veneno acerca dos rivais. Práticas bem pouco éticas, mas frequentes.

Tais práticas são porém inaceitáveis da parte de uma assessoria da Presidência da República. Assessoria cujas comunicações aos media deveriam ser abertas a todos os jornalistas profissionais acreditados. Que, para além disto, deveria limitar-se a responder de boa-fé aos pedidos de informação feitos por todo e qualquer jornalista, numa relação, neste caso, compreensivelmente bilateral. Evitando privilégios inaceitáveis dos serviços do "presidente de todos os portugueses". Proibindo--se insinuações e instrumentalizações que só podem desacreditar a Presidência e fazer que os cidadãos percam confiança nela. O que, convenhamos, seria trágico…


Grave crise publicitária nas televisões espanholas

Segundo cálculos das agências de média, as receitas publicitárias das televisões em Setembro foram em 20 % inferiores às de igual mês em 2008. Telecinco perde 41 %, Televisón Española 26 %, Antena 3 11 % e Cuatro 2,5, enquanto que La Sexta as aumenta em 50 %. Por seu lado, as estações regionais da Federación de Organismos de Radio y Televisión Autonómicos perdem 18 %.


'The Independent' salvo por mais algum tempo

O grupo irlandês International News & Media , editor do diário londrino The Independent, negoceia um acordo que reduzirá em 350 milhões de euros a dívida de 1,3 mil milhões, fazendo porém baixar a participação de Anthony O'Reilly de 28 para 14,82 % e a do seu rival Denis O'Brien de 26 para 13,5 %.

'The Sun' abandona Labour e apoia conservadores

De origem trabalhista, o maior diário britânico (3 052 480 exemplares) passa a apoiar os conservadores quando é comprado por Rupert Murdoch em 1969. Mas em Março de 1997, The Sun anuncia que vai apoiar doravante o trabalhista Anthony Blair. The Sun declara agora abandonar os trabalhistas e passar a apoiar os conservadores...

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MensagemAssunto: A nódoa do 5 de Outubro   Crónicas Icon_minitimeQui Out 08, 2009 8:49 pm

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A nódoa do 5 de Outubro

por João César das Neves

Crónicas Joao_Cesar_das_neves

Começa hoje o centésimo ano da nossa república, a terceira mais longa da Europa. É ocasião para celebração justa, sincera e sadia, qualquer que seja a situação ou convicções pessoais. Exige-o o amor a Portugal que partilhamos.

Isso não significa que se branqueiem os acontecimentos de há cem anos ou se canonizem os seus autores. Festejando os sucessos do século, temos de admitir os terríveis crimes que lhe deram início. Vivendo grave crise, mais importante é julgar com serenidade os erros que então criaram uma catástrofe muito pior que a actual.

Um livro oportuno ajuda-nos a compreender um dos aspectos mais marcantes e decisivos dessa derrocada. O Estado e a Igreja em Portugal no Início do Século XX. A Lei da Separação de 1911, do cónego João Seabra (Principia, 2009), é muito mais do que pretende ser. Apresentando-se como estudo jurídico do Decreto de 20 de Abril de 1911 [DG92, 21/4/1911], a "Lei da Separação do Estado das Egrejas", traça um grande e rigoroso fresco histórico da questão religiosa republicana.

Cheio de episódios curiosos, pormenores reveladores, informações pertinentes, inclui até pequenas biografias dos principais protagonistas da questão. O primeiro capítulo, "A situação jurídica da Igreja em Portugal durante a Monarquia liberal" (21), acrescenta um recuo enquadrador, descrevendo os "oito decénios de servidão" (51) que os católicos sofreram antes da perseguição aberta e desbragada dos republicanos triunfantes. "Era esse ambiente de anticlericalismo exacerbado, ordinário e violento que o parlamentarismo monárquico deixara instalar em Portugal, que, juntamente com a disciplina jurídica do regalismo cartista, constituía a situação da Igreja em Portugal no dia 5 de Outubro de 1910" (53).

O mais espantoso na dramática história das 250 páginas seguintes é a incrível ingenuidade atrevida, incomparável boçalidade pateta dos líderes republicanos. Estavam mesmo convencidos que bastava expulsar o rei para se resolverem os terríveis problemas que o País padecia há décadas. Acreditavam que a simples presença dos seus espíritos iluminados no poder chegava para orientar o povo. Só isso justifica que se afastassem das urgentes imposições da governação, pesadas responsabilidades ministeriais e gritantes necessidades populares para se dedicarem a criar problemas gratuitos e vácuos, zurzindo a Igreja por puro capricho ideológico.

A fúria começou antes mesmo de dispersar o fumo dos fuzis na Rotunda. "Para a maçonaria, para o Partido Republicano e em especial para Afonso Costa, o anticlericalismo será a prioridade política da República" (56). Assassinar dois padres e prender muitos (188), expulsar centenas de religiosos (57), proibir vestes talares (59), romper com a Santa Sé (60), entre outras, foram obra de poucos dias. Curiosamente a legislação da família, com leis do divórcio (71) e casamento civil (72), foi também alvo de uma sanha que lembra discípulos contemporâneos. Cem anos passados permanece a coincidência da inimizade à fé e ao matrimónio.

Quando Afonso Costa pretende formalizar o clima de intolerância e facciosismo, com uma capa diáfana de legitimidade e justiça, a farsa fica grotesca. Comparando com a violenta lei francesa de 1905, o regime "é o mesmo, com duas pequenas diferenças: o francês tem uma lógica jurídica que se entende, o português é uma arbitrariedade sem outro fundamento senão o facto de o Estado dispor da força e não se deixar limitar pelo direito (…) todo o sistema tem por fim pôr o governo da Igreja nas mãos dos não católicos" (114).

A aplicação da lei não foi melhor que a concepção. Até o ministro republicano Moura Pinto, maçon assumido, notou seis anos depois, no preâmbulo do Decreto 3687 (22/12/1917): "Os processos [aos padres] foram organizados sem respeito aos mais elementares princípios que em todos as legislações regulam e asseguram a defesa dos acusados" (215).

A infâmia e atropelos são tais que envergonham qualquer um. Esta é a Primeira República que alguns hoje querem sacralizar e, até parece, imitar.

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