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Sara Ocidental: a revolta dos nómadas sarauíspor ABEL COELHO DE MORAIS
Hoje
Reclamam melhores condições de vida, não querem ver os recursos da sua terra desbaratados por aqueles que consideram ocupantes. São mais de 20 mil aqueles que protestam contra as condições impostas por Marrocos nesta região, que tentou a independência na década de 70São 20 mil pessoas que acampam há quase um mês em Gdeim Izik, arredores de El Aaiún, a antiga capital do Sara espanhol, naquele que é o maior protesto pacífico desde que, em 1975, Madrid abandonou esta colónia do Norte de África.
É sob este pano de fundo que amanhã e depois, sob os auspícios da ONU, delegações de Marrocos e da Frente Polisário (FP) se reúnem nos arredores de Nova Iorque para relançarem as negociações sobre o futuro do Sara Ocidental, hoje num impasse.
O encontro será mais uma etapa no diferindo entre Rabat e a FP que vem de 1975. Numa primeira fase, o território foi reivindicado por Marrocos, Mauritânia e FP, tendo este último país retirado em 1979, devido à pressão da guerrilha sarauí. Desde a invasão pacífica de mais de 350 mil marroquinos - a "Marcha Verde" de Novembro de 1975 -, seguida de uma rápida ocupação militar, o conflito colocou frente a frente sarauís e as forças armadas de Rabat.
Abrigados em mais de sete mil jaimas (tendas tradicionais dos nómadas), homens, mulheres e crianças pedem o fim daquilo que chamam a pilhagem dos recursos sarauís por Marrocos, assim como trabalho e habitações condignas. Ninguém fala de independência. Vão longe os anos 70 e 80 quando a FP combatia de armas na mão pela independência. Hoje, está confinada a alguns campos de refugiados na Argélia e a uma região a leste da barreira de 2700 quilómetros, erguida por Marrocos a partir de 1981, que controla em comum com as forças da ONU.
Actualmente, o centro da estratégia polisária, que reivindica a existência de uma República Democrática Árabe Sarauí, passa pela realização de um referendo sobre o futuro do território, com opção pela independência, projecto que Marrocos recusa por completo. Para Rabat, a única solução é a autonomia do território no âmbito do Estado marroquino.
Devido a este impasse, nasceu o protesto nos arredores de El Aaiún. Preparado desde meados de 2009, o objectivo inicial era a criação de campos junto das restantes três cidades mais importantes do Sara Ocidental, o que só não sucedeu porque as autoridades marroquinas "o impediram", dizia esta semana ao El País um dos organizadores do movimento, Fadel Kmach.
Mas Kmach acrescentava com orgulho: "Recebemos outros apoios." Um desses apoios veio do actor Javier Bardem, que entregou ao Governo de Zapatero uma petição com 230 mil nomes, exigindo que Madrid conceda estatuto diplomático à FP. Outros apoios vieram de sarauís no exterior; caso de Amin, cozinheiro na Grã-Canária. "Tinha os papéis em ordem e trabalho assegurado, mas não podia perder isto", dizia Amin a um grupo de jornalistas espanhóis que visitou o campo. O ex-cozinheiro já encontrou nova ocupação: é tradutor para o comité que dirige o campo.
O comité é composto por oito homens e uma mulher. Todos têm menos de 40 anos, na maioria de-sempregados; consideram-se discriminados por serem sarauís e consideram que a independência não é para já. O mais importante é a palavra de ordem que mobiliza o acampamento: "os recursos dos sarauís para os sarauís", referência à pesca e às minas de fosfatos.
O comité assegura que o acampamento - cercado pelos forças marroquinas, que controlam o acesso de jornalistas e bens alimentares - não vai ser desmontado, apesar das tentativas de desmobilizar os sarauís. Marrocos anunciou no início da semana a atribuição de lotes de terra a viúvas sarauís, a concessão de uma verba para a construção de casa e o acesso a uma prestação social equivalente a 130 euros mensais. Há uma semana, o comité recusou negociar com o ministro do Interior de Marrocos, Taieb Char- kaoui, que se deslocou a El Aaiún para discutir aquelas propostas, argumentando estarem sujeitos a "um cerco militar". Devido às medidas de segurança marroquinas, que construíram um muro de metro e meio de altura - atrás do qual se encontram centenas de polícias e militares -, um jovem sarauí, Nayem Elghari, foi abatido a 23 de Outubro ao tentar chegar ao acampamento.
Fortes medidas de segurança que são a regra em território do Sara Ocidental, enquanto neste mar de tendas "se respira um ar de liberdade", garantia ao El País Fadel Kmach. "Lá fora não há nada disto", assegura. O quotidiano não é fácil. Falta água, há poucas infra-estruturas sanitárias, os alimentos chegam a conta-gotas, a maioria trazidos por familiares que, ao fim de semana, visitam o acampamento de Gdeim Izik. Mas há uma frase que, segundo o enviado do El País (jornal com linha editorial próxima das posições sarauís), se ouve com frequência no campo: "Estamos contentes."
In DN